sábado, novembro 24, 2007

Motivação para Mendigar

Um mendigo pede esmola numa das ruas pedonais de *****, ostentando um ombro onde outrora esteve um braço inteiro, gemendo no tom dos mendigos,
- Uma esmolinha para o aleijadinho, Deixe uma esmolinha para o aleijadinho...
e de repente grita com voz potente
- Maior, olha aí um isqueiro!
O tabaco é, como se verifica, o melhor dos estimulantes.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Um Gangster Português

Dois homens conversam numa mesa de um bar, quando um rapaz, aparentando 16, 18 anos no máximo, os aborda com ar ameaçador
- Tu não és primo do [Fulano]?
- Sou.
- Hás-de dizer ao teu primo que tenha muito cuidado... - dizendo isto vai com a mão ao bolso traseiro das calças, enquanto os dois homens ficam crispados com a situação,ao que o rapaz tira a carteira do bolso.
- ... porque da próxima vez, a coisa vai-lhe correr muito mal, entendido?
Os dois homens ficam especados a olhar um para o outro. Depois o primo do [Fulano] diz
- Eu nem te conheço, nem sei do que estás a falar; põe-te mas é a milhas! Ala, desanda!
O rapaz, com um sorriso superior, esclarece então
- Eu sou conhecido por O Mijinhas...
E disse O Mijinhas como se Mijinhas estivesse escrito em itálico e o "O" com maiúscula
- Por isso, da próxima já sabes...
E foi-se embora.

O Mijinhas, temível gangster português reconhecível pelo forte odor a urina.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Machos, Saias e Gaitas

Os Escoceses. Barbas, dentes feios, olhar duro, machos a sério; as mulheres adoram o clássico ar de cavalo fedorento. Numa palavra: maricas.
Braveheart, por exemplo. Relato romanesco da sedição escocesa dos finais do século XIII, mostra raivosos e barbudos escoceses na sua caminhada para a guerra fardados como meninas colegiais, com as suas saias de padrão, fardas militares é certo, afinal os kilts são cor verde-tropa. E as gaitas de foles para dar motivação...
Dentro da mesma linha temos a forma como são caracterizados nos anúncios da William Lawson's. Os maoris coreografam um haka e os escoceses, pimba, toca a levantar a saia.
A cara do maori é inenarrável, pensa decerto, "Chiça, ainda bem que lá em Tuvalu é quente, porque senão, ficava aqui como o escocês, mirradinho que nem uma azeitona".
É de macho, ir para a guerra de saias, ao som de gaitas...

sábado, novembro 10, 2007

De Rerum Patinorum (Acerca de Patins)

Hoje de manhã (seriam já 12h15m, mas ainda não tinha almoçado, portanto...) estava a ouvir o programa da A3 Nuno e Nando, (depois coloco aqui o link para o podcast) em que F. Alvim e N. Markl orientavam uma entrevista muito interessante com duas meninas interessantes (tudo muito interessante), a Mitó e a Susana Félix.
Confesso que gosto deste programa por ser uma espécie de filme pornográfico: é prazenteiro a um nível sórdido que chega a ser de legalidade questionável, tem sempre muita gente a participar (dois pivôs + J. Botas + dois convidados), mas com a peculiaridade de se afastar do hardcore por não ter tempos mortos, pois Nuno e Nando padecem de Horror ao Vazio, como se diz em Arte ou para os menos familiarizados com estes termos, simplesmente não conseguem fechar a matraca.
A certa altura
...

… o Alvim dizia qualquer coisa sobre a sua idade, do tipo estarem mais velhos, etc., e o Markl confidenciou então às meninas que eles (Nuno e Nando) são «DO TEMPO EM QUE OS PATINS AINDA TINHAM RODAS».

Eu também sou desse tempo. Que tempos esses. Isso é que eram patins. Não é como os de agora. Estes nem merecem o nome de patins, antes o que são, meros feet-overcrafts. Desculpem-me o perfeccionismo, mas temos de dar sentido aos termos que utilizamos. Porque os patins de rodas já só se vêem em museus e os praticantes de hóquei e de patinagem artística andam em cima de pequenos overcrafts que calçam em cada pé! Esses desportos também precisam de renomeação, respectivamente para hóquei em overcrafts e overcrafting artístico.

E as saudades que eu tenho (chamem-me revivalista) de um bom desafio de hóquei à antiga portuguesa, o hóquei em patins puxados por parelhas de cavalos. Ah, dá-me cá uma saudade...

terça-feira, novembro 06, 2007

Crónica de uma Morte Equacionada

Intróito

Os sucessos apresentados de seguida ocorreram há dois anos atrás. Há muito tempo que queria transcrever para aqui esta pérola da minha existência, mas precisei de algum distanciamento temporal (uma espécie de período de reflexão semelhante ao verificado entre campanhas eleitorais e o acto eleitoral em si, só que em maior escala), para que eu pudesse cumprir uma certa organização das ocorrências verificadas. Como à frente se depreenderá, a qualidade e complexidade dos acontecimentos exigem um texto concomitante com a acção desenvolvida, por isso difícil de alinhar, para que os dois leitores regulares deste espaço se possam deleitar com a magnitude do acontecimento. Para se preservar o encadeamento da acção resolvi apresentar as versões dos dois principais intervenientes, isto é, eu próprio e a minha mulher, à medida que a acção vai discorrendo.


Como eu recordo os acontecimentos...

Cheguei a casa e fechei a porta à chave. Como já eram umas 4h30m, despi-me na sala para não acordar a minha mulher. Depois das rotinas higiénicas com gestos furtivas como os dos caçadores, deitei-me, mas a minha mulher não estava na cama. Só então me lembrei que ela tinha saído com as amigas. Fechei os olhos e adormeci.
Sinto que alguém me puxava por um pé e sacudia a minha perna. Abri os olhos, mas a luz do candeeiro não me permitia distinguir nada. Fechei os olhos outra vez. Então ouvi claramente
- Chefe! Chefe!
Abri os olhos e deparei-me com um bombeiro que me segurava no pé, à direita dele estava um polícia, mais para a direita o meu vizinho do 4º Dto., à entrada do quarto estava o meu vizinho do 2º Esq. e ao lado da cama, com os olhos assustados estava a minha mulher. Disse o bombeiro
- Então chefe? Chegava cá um ladrão, roubava tudo e você nem se apercebia.
Eu, nem pio. O coração cavalgava ferozmente no meu peito para que pudesse dizer algo. Lá me sentei na cama, olhei para a minha mulher que agora chorava de alívio, puxei-a para mim para a acalmar e o meu vizinho do 4º Dto. disse
- Então pá, a tua mulher aqui preocupadíssima e tu não acordas?
Esmagado por aquele quadro de fardas e pijamas escabrosos que nem o Rudolf Nureyev se atreveria a vestir, só consegui articular
- Eu... eu estava a dormir.
Lembro-me de dar os meus dados ao agente da polícia à porta do apartamento, descalço e a tiritar de frio, ou de susto, de adormecer outra vez... não me lembro de mais nada.


Como a minha mulher viveu os acontecimentos...

Quando cheguei a casa faltava pouco para as 5 da manhã. O meu marido esqueceu-se de retirar a chave da fechadura, por isso não consegui abrir a porta. Ele estava em casa, ouvia-o ressonar no quarto. Toquei à campainha umas dez vezes, rezando para não acordar os vizinhos, mas ele não acordou. Telefonei então para o telemóvel dele, mas só conseguia ouvir o telemóvel a tocar na sala e a dar sinal de bateria em baixo. Comecei a ficar nervosa. Telefonei então à minha mãe e ela disse-me para ter calma e ir dormir para casa dela, que de manhã voltava para casa. Mas eu resolvi continuar a tocar à campainha.
Apareceu então o vizinho do 4º Dto. atraído pelo barulho, já que se levantava bem cedo para trabalhar. Expliquei-lhe que o meu marido deveria estar a dormir profundamente
- Ou então...
- Então o quê? - disse eu.
- Deve estar com uma cardina... ele de vez em quando bebe uns copitos...
- Pois - disse-lhe eu - se calhar esteve no café até às tantas...
- É melhor chamar os bombeiros, pode acontecer alguma coisa...
Concordei e chamei então os bombeiros. Como precisam sempre da presença da Polícia para presenciarem a entrada na casa das pessoas, chamou-se também a PSP. Chegaram bombeiros e polícia e nesta altura já todos os vizinhos da nossa entrada estavam despertos e a juntarem-se no hall do prédio. Eu já não podia com a vergonha.
Tanto os agentes da PSP como os bombeiros trataram logo de me tentar acalmar, já que eu era agora familiar de uma potencial vítima.

Bombeiro: O seu marido tem problemas de saúde? É cardíaco?
Eu: Não.
Agente da PSP: A senhora discutiu com ele?
Eu: (estranhando) Não!
Agente da PSP: (insinuante) De certeza? É que ele poderá estar a evitar que a senhora entre em casa.
Eu: Mas...
Agente da PSP: Ou então ele poderá estar com outra pessoa em casa...
Eu: (estupefacta) O quê, com uma amante?
Agente da PSP: Já aconteceu...
Eu: (incrédula) Não acredito nisto.
Bombeiro: De qualquer maneira temos de entrar em sua casa; é que um dia fomos chamados para uma situação semelhante, em que um senhor parecia estar a dormir e não acordava e quando arrombamos a porta verificamos que ele tinha tido um derrame cerebral e roncava como se estivesse a ressonar. Morreu a caminho do hospital.
Eu: (estarrecida) O quê?
Bombeiro: Vamos tentar acordá-lo, senão, temos de pedir a escada MAGIR.

O bombeiro começou então a dar fortes pancadas na porta entremeadas com gritos de
- Ó Senhor Croius, Ó Senhor Croius.
E ele sem acordar, sempre a ressonar, ou a roncar...
Chegou então o camião com a escada Magir, uma daquelas escadas extensíveis, que fazem muito barulho
- Trec Trec Trec
Nesta altura todos os vizinhos da rua estavam já acordados e à janela, eu nem conseguia pensar em nada, num misto de pânico e de vergonha, e um bombeiro do cimo da escada Magir com um megafone a orientar o operador da escada que estava em baixo
- Mais para a esquerda
Trec Trec Trec
- Mais para a direita
Trec Trec Trec
Enfim, lá encostou a barquinha da escada à varanda, entrou em casa pela cozinha e abriu-nos a porta, os meus vizinhos a dizerem-me para não entrar, porque podia ser grave e eu só queria entrar e ver o meu marido e quando lá cheguei já tinham acendido a luz e ele estava
placidamente adormecido e o bombeiro a chamar por ele
- Chefe! Chefe!
E ele abriu os olhos e voltou-os a fechar, depois abriu-os com um ar assustado, puxou-me para ele e o meu vizinho do 4º Dto. disse
- Então pá, a tua mulher aqui preocupadíssima e tu não acordavas?
E ele só conseguiu dizer
- Eu estava a dormir.

Hoje recordo com nostalgia aquela madrugada de 2005 como "O Dia em que fui acordado por um bombeiro, um polícia e o meu vizinho do 4º Dto. vestido como um índio e não era um videoclip dos Village People".