quinta-feira, janeiro 10, 2008

surpresa, surpresa

Os meninos cresceram a ouvir às avós beatas que os comunistas comiam criancinhas ao pequeno almoço. Quando anunciaram o futuro ingresso no seminário, enchendo de orgulho as velhas beatas, não contavam certamente descobrir, como descobriram certo dia ao pequeno almoço, que todos os padres da congregação eram comunistas.

domingo, janeiro 06, 2008

A Peça

Fui com o carro à oficina, para mudar filtros e "os fluídos", a designação que agora preenche a linha da factura onde antes se podia ler "mudar o óleo". É que "mudar o óleo" tem hoje outros significados... e os cinco algarismos seguidos do sinal do euro no enfiamento da linha "mão-de-obra" são semelhantes aos que se podem ver muitas vezes nas facturas dos hospitais a seguir à linha "honorários do anestesista, do cirurgião e das enfermeiras instrumentistas".
Mecânico
Pronto, amigo
(Sim, eu tenho um mecânico que é meu amigo, apesar da contradição e de ele me tratar por você)

Eu

E o carro precisa de mais alguma coisa?

Mecânico
Agora só tem de voltar cá daqui a dez mil quilómetros.
(E esta forma de eles medirem o tempo, em quilómetros, Diz-me as horas, por favor, Concerteza, são seis mil setecentos e trinta e quatro quilómetros e duzentos metros, ou Faltam três mil duzentos e sessenta e cinco quilómetros e oitocentos metros para os dez mil)
- O carro está óptimo, não se preocupe. Vê-se que está bem cuidado.

Eu
- Muito bem, daqui a dez mil quilómetros eu passo por cá.

Mecânico
- É que nem calcula os assassinos que aqui vêm parar... olhe, aquele Golf, por exemplo, (aponta para um carro preto) está todo assassinado.

Eu
- Imagino...

Mecânico
- É de um miúdo, anda para aí a varrer rotundas, só gosta de acção. Desmancha o carro todo e no fim o avôzinho passa cá e paga a despesa.

Eu
- Antes assim, ao menos vai ganhando uns cobres à conta do piloto.

Mecânico
- Mas não é isso que está em causa. É que parte o carro todo e vai-se chegar a um ponto em que não há reparação possível. (Ah, a consciência do pirata que não suporta ver os barcos das presas a afundar, quando poderiam dar mais uma ou duas voltas...)

- Desta vez foi um eixo traseiro. A semana passada... (dirigindo-se para uma banca no canto da oficina) ...venha cá ver! (abre uma saca de plástico e espreito lá para dentro, onde jaz um ferro cilíndrico e comprido quebrado em dois) Que me diz?

Eu
Não pode ser!

Mecânico
Ai pode, pode!!!

Eu
Mas como é possível?

Mecânico
É tramado não é?

Eu
Como é que ele fez isto?

Mecânico
A varrer!

Eu
Mas isto não parte assim!

Mecânico
Pois não parte! Mas esta partiu.

Eu
Se não visse, não acreditava.

Mecânico
Nem eu. Mas é verdade.

Saí da oficina a pensar na tristeza de saber que mesmo vivendo mais duzentos anos, será impossível experimentar novamente o choque proporcionado pela visão de uma peça inquebrável afinal quebrada, da qual eu apenas sei que se situa dentro do automóvel, algures entre o pára-choques dianteiro e o pára-choques traseiro.

Festejos

Sendo republicano, é difícil para mim celebrar com a devida circunstância o Dia de Reis.