segunda-feira, junho 19, 2006

Notas sobre Modelismo e (alguma) Literatura

Estou a terminar a leitura do romance de espionagem chamado The Bourne Ultimatum, de Robert Ludlum, obra cuja primeira parte já foi transposta (a meu ver muito mal) à tela, i. é, a Identidade de Bourne e a Supremacia de Bourne. A páginas tantas, depois de uma série de peripécias, introduz-nos o autor no vale do Volkhov, na então soviética Novgorod (p. 505-550), local de impossibilitado acesso, por se tratar de um complexo secreto de treino de agentes infiltrados. Novgorod era, na imaginação de Ludlum, o local onde se reproduzira à escala uma série de cidades e portos do mundo inteiro, qual Portugal dos Pequeninos, onde se obtinha informação ou se procedia à construção de armamento ou tecnologia de ponta. Através da fotografia de satélite reproduziam-se os mais ínfimos pormenores, permitindo aos agentes soviéticos o treino no quotidiano civil de tais localidades ou centros de inteligência para que se sentissem familiarizados nos sítios onde, como se requer aos espiões, recolheriam informação. Entre alguns dos locais recriados, destaco as oficinas aeronáuticas de Coventry, os estaleiros de submarinos nucleares de New London no Connecticut, o Cabo Canaveral na Flórida, o Paseo del Prado em Madrid e as margens do Tejo em Lisboa.
Leram bem. Nesta mítica Novgorod, local onde, segundo o romance, teria sido treinado o ultraperigoso e venezuelano assassino Carlos, o Chacal, existia uma réplica à escala de Lisboa. Como a acção decorre um pouco antes da queda do Muro, certamente que a paisagem lisboeta lá recriada não seria muito diferente da que lhe conhecemos hoje sendo mais que certo que em Novgorod existiria um Terreiro do Paço, um Marquês, um Rossio e até um Parque Eduardo VII. Para se obter uma versão aproximada, pode-se aceder ao google earth e viajar pela fotografia aérea de Lisboa, navegar no estuário do Tejo e no Mar da Palha, observar a geometria pombalina da Baixa, etc. A diferença é que não se assiste agora como então à procissão de meninos para o apartamento da Avenida das Rua Forças Armadas, nem se avista uma nuvem negra carregada positiva e electricamente que em 1989 ensombrava permanente os palácios de Belém e S. Bento.
A questão que me martela o cérebro é esta: se os requisitos para a recriação em Novgorod do modelo de uma cidade residia na sua importância como centro de inteligência ou associada a centros de produção de armamento ou desenvolvimento tecnológico, e não conhecendo lá nenhuma fábrica de mísseis nem electrodomésticos com selo made in Portugal, porquê o interesse dos soviéticos em Lisboa?
Julgo que é um daqueles mistérios literários propositadamente acalentados para induzir o leitor a adquirir a sequela. O que é uma manifesta perda de tempo, já que o livro não presta.

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