terça-feira, dezembro 27, 2005

A Sombra do Fotógrafo

Eu lembro-me bem dos medicamentos do antigamente. Medicamentos (agora, se calhar já não lhe chamarão isso, mas azar) que ainda hoje se vendem (e resultam) e que nos conduzem aos tempos áureos da publicidade na caixa. Um deles por exemplo, apresentava a posologia e a eficácia do produto na própria tampa. Tratava-se de um unguento anti-micótico (eu não recordo o nome), que dava para todos os males de pele, do herpes ao cieiro, e que era vendido dentro de umas caixinhas cor de pérola. E poderia desfiar aqui um rol de grandes clássicos farmacêuticos que nunca careceram de literatura médica, porque a embalagem dizia tudo. As pastilhas Valda, por exemplo: bastava abrir-se a caixinha com aquela folha de eucalipto na tampa e já se sabia que as pirâmides verdes cobertas a açúcar serviria para aliviar problemas respiratórios e da garganta. As pastilhas do Dr. Bayard, por seu turno, só a visão da imagem do senhor agasalhado e levemente encolhido com o punho em frente à boca já esclarecia que o mal dele era tosse, logo, é uma embalagem de rebuçados para a tosse. E a pasta medicinal Couto, cuja publicidade já foi feita, pasme-se, pelo Herman José quando era muito novinho? A expressão dentes brancos significava dentes brancos, mais nada. Nada de tártaros, nada de cáries e nada de gengivas. Aliás, no tempo da Pasta Medicinal Couto não haviam gengivas!
A modernidade castrou a familiaridade do medicamento; a embalagem hodierna apresenta no exterior um nome a acabar em ox ou em ina, em detrimento da marca antroponímica, mais pessoal, mais íntima, porque Couto é nome de gente, como é o é Bayard e o é Valda (as pastilhas foram inventadas pelo senhor Aparício da Silva Valda). Este é o preço a pagar pela tecnologia. Um dia acabará por perder-se todo o saber da farmácia tradicional.
E para quê a literatura médica? Porque raio se coloca uma folhinha dobrada seis vezes dentro de uma caixa de medicamentos com informação escrita em letras tão pequeninas que mais parece uma apólice de seguros? E porque é que se chama literatura médica a um mero pasquim que não tem enredo, apresenta sempre as mesmas personagens (a saber, adultos, crianças, mulheres grávidas ou em aleitação, médico e farmacêutico) e que ainda por cima já abre a porta a uma sequela, pois metade do folhetim faz alusão a possíveis efeitos secundários?

Em 1993 tive a oportunidade de visitar Marrakesh. Este acontecimento saldou-se numa das minhas mais preciosas memórias de viagem. Como a farmacopeia árabe é secularmente reconhecida, a visita a uma farmácia na capital do Atlas afigurou-se-me como uma oportunidade de visitar um reduto inalterado do saber medieval. A dita fazia-se anunciar não por um néon cruciforme de cor verde, antes por uma série de sacos com cheios de pequenas folhas verdes, cuja única função é servir de presente oferecido pelo rapaz na altura de pedir a mão da sua noiva em casamento aos pais da moça.
A farmácia é composta por duas divisões: a mais exígua é a que tem o balcão de atendimento, com as paredes cobertas de prateleiras repletas de boiões e jarros cheios de produtos de mil cores. Na outra divisão existe, para além de muitas mais prateleiras e boiões, uma mesa de trabalho no centro da qual estão depositados os peneiros, os almofarizes, os pilões e demais boiões que servem à preparação das mistelas curativas a partir da miríade de panaceias de origem vegetal e mineral existente nos contentores vítreos. Estes não possuem rótulos e que eu visse, nada de literatura médica. O farmacêutico sabe bem o que existe dentro e cada boião. Lá é tudo natural, tudo manual, tudo sem receitas, muito pessoal.
Na farmácia portuguesa já começam a despontar os serviços informáticos de selecção de medicamentos a partir de computadores e de braços robóticos, mas ainda se podem assistir a algumas pérolas manufactureiras com verdadeiros truques de prestidigitador e à margem da informatização/ mecanização. Só o farmacêutico sabe onde está aquele medicamento com nome esquisito. Pede-se zolvirax e ele, pimba, abre a segunda gaveta e tira de lá o coelho; nós pedimos triticum e eles abrem a terceira porta a contar da esquerda e com a mão enfiada na primeira prateleira ainda perguntam "mas quer o 300 ou o 600?".
Mas a peça de resistência é o golpe do farmacêutico. Caixa do medicamento na mão, x-acto na outra, aponta o x-acto ao papel e rec-rec-rec-rec, quatro golpes sem furar a caixa, destaca com a ponta da lâmina o código de barras e cola-o à receita com uma tirinha de fita-cola. O golpe do farmacêutico é como a sombra do fotógrafo. Sem este primor técnico, é como ele não estivesse lá.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Abyssus Abyssum

Conheço um velho ditado que diz “o diabo fala todas as línguas”. Como a fiabilidade dos provérbios costuma ser de 99,97%, o que é que se passa com o demónio que nos filmes de exorcistas só fala em Latim? É por ser antigo? É para dar o cunho de alta cultura ao género? (Eu sei que dois dos meus três leitores vão dizer no seu tom apaneleirado “mas o diabo também fala americano”; pois fala, de contrário nenhum americano ia ver os filmes, porque eles não gostam das legendas). Preste-se atenção.
Os clássicos do exorcismo têm como personagens uma rapariga, um padre e, claro, o diabo. A história também é sempre a mesma: um padre é contactado pelo arciprestado para exorcizar uma jovem que apresenta comportamentos estranhos, como vomitar, querer foder com tudo o que mexe e falar línguas esquisitas. O padre ainda questiona se não será um caso de bulimia associado à natural descoberta da sexualidade adolescente, mas quando lhe dizem que ela fala latim, aí vai ele de Bíblia, estolas e água benta.
Já se perguntaram porque é que o diabo encarna sempre numa rapariga? Isto já vem da Idade Média, mas nada mais natural que um indivíduo querer-se meter dentro de uma jovem (o termo técnico é possuir). Além do mais que as raparigas são mais enfáticas na pornologia que normalmente acompanha a manifestação demoníaca. O palavrão sai da boca feminina com mais violência e dá mais força à história.
O padre constitui o elemento controverso da trama, já que se encontra em fase de teste da fé. O diabo encarregar-se-á de o tentar de diversas formas, mas lá para o fim destacar-se-á numa dissertação teológica com demónio, quando se apuravam as origens e razões da manifestação.
O diabo, por seu turno, é uma personagem algo esquizofrénica com a mania das grandezas, até pela plêiade de heterónimos que o costuma rodear. Ele é belzebu, demónio, rabudo, satã, satanás, mafarrico, demo, lúcifer, tinhoso, príncipe das trevas, burro preto e anticristo. Não se lhe costuma ver a aparência original, mas tudo depende do montante disponível na produção de efeitos especiais. Nos confrontos com o padre, trava-se de razões a partir da vitimização, pois foi Deus quem o traiu e “blábláblá que me explusou do Paraíso e-não-sei-que-mais”. Depois tem a tal coisada da língua. O filme Stigmata constitui uma rara excepção à generalidade do inglês/latim falado pelo rabudo, já que a jovem possuída escrevia em aramaico e depois falava em italiano (“Il mesangero non és importante”).
Se de alguma coisa serviria o género exorcista no cinema, já que o diabo fala todas as línguas, seria a promoção dos cerca de 5.000 idiomas e dialectos conhecidos no planeta, 96% dos quais se encontram à beira da extinção, como por exemplo o igbo, o inuktitut e o quirguiz. E se o mafarrico quer dar uma de Príncipe das Trevas aristocrata ao versar o latim, pelo menos que fale o latim antigo, para não cair no erro do Mel Gibson que empregou o latim restaurado n’ A Paixão de Cristo e pôs os soldados romanos a trocar os v’s pelos u’s.

Socorro-me aqui das palavras de Sto. Isidoro, quando aludia às origens das pestilências: “quando pro peccatis hominum plaga et correptio terris inicitur, tunc aliqua ex ausa, id est aut siccitatis aut caloris ui aut pluuiarum intemperantia, aera corrumpuntur. Sicque naturalis ordinis perturbata temperie, inficiuntur elementa, et fit corruptio aeris et aura pestilens” (De Rerum Natura, XXXIX, I) (Quando, devido aos pecados dos Homens, a fúria dos elementos se abate sobre a terra, seja pelos seguintes fenómenos, a seca, calor violento ou excesso de chuvas, a atmosfera corrompe-se e a natureza perturba-se no seu equilíbrio, produzindo-se a contaminação dos elementos, a corrupção do ar e criação da aura pestilencial). Nos dias de hoje, em que as secas, o calor extremo e as recentes chuvadas e nevões assolam a Europa, é de estranhar que estas e outras desgraças do mundo não sejam imputadas aos pecados dos Homens e à acção do Príncipe das Trevas.
E será certamente de natureza maligna a orquestração do pérfido decreto que ordena a retirada do Crucifixo das salas de aula e não se faça o mesmo com a Menorah, com o Corão e com o Buda, símbolos religiosos que teimam em enfeitar as paredes das escolas portuguesas. Foi para isto que se constitucionalizou a liberdade religiosa? Foi?
C.

Abyssus abyssum: atracção pelo abismo, o abismo atrai o abismo ou um mal nunca vem só.

quarta-feira, novembro 30, 2005

Disfunção Abstracta

Apanhei-me hoje a reflectir sobre as cenas lamentáveis perpetradas pela cáfila que integra a claque do Inter de Milão contra o jogador côte-ivoirense Zoro no fim-de-semana passado. É certo que o fenómeno das claques (vulgo hooliganismo) é um campo fertilíssimo para a abordagem sociológica nas suas múltiplas facetas, quer seja enquanto agremiação de pessoas unidas por uma mesma cor clubística ou pela comodidade do exercício da violência sem motivação aparente. A imagem das lágrimas de um homem ferido no seu orgulho ameaçando abandonar o quadrilátero ainda baila nos meus olhos.
Tenho algumas certezas e uma delas diz-me que a claque é, antes de mais, uma associação de indivíduos com grande propensão para o crime. Mas como reconhecer uma claque? Como discernir a mera associação ou colectividade do bando/ gang/ agremiação facínora mascarado debaixo da cortina do futebol ou outro evento desportivo de massas? Por ser tarefa difícil e porque anda por aí muito crime organizado, esbocei uma chave dicotómica associativa para que não se faça a confusão.

1. O agrupamento costuma cantar em grupo.
a) Sabe mais de uma música. Se não, você está perante um pelotão de fuzileiros.
b) Sabe mais de catorze músicas. Se não, é uma tuna.
c) Reúne-se pelo menos uma vez por semana. Se a reunião é aos domingos, trata-se de um grupo coral.

2. O agrupamento apresenta vestuário homogéneo.
a) Parecem todos idiotas. Se parecem meninos idiotas, são escuteiros.
b) Vestem trajes coloridos. Se são muito coloridos, são travesties.
c) Os elementos usam cachecóis coloridos. É a campanha do PSD das Legislativas 2005.

3. O agrupamento entrou numa estação de serviço.
a) Todos os elementos correm para os WC’S. É uma excursão de velhinhas a Fátima.
b) Os elementos montam as mesas e desatam a comer. É um grupo de ciganos a caminho de um casamento.
c) Todos os elementos entram rapidamente na loja e estacam na parte das revistas. É um congresso de tunning.

4. Quando bafejado, o agrupamento emite odor.
a) Quando bafejado, cheira a barro. É o Rancho Folclórico de S. Pedro da Cova.
b) Quando bafejado, cheira a mofo. São os deputados da Assembleia da República.
c) Quando bafejado, cheira a ganza. É uma claque.

Ora pois bem, como é que as claques surgiram? Antes do mais, a pergunta é pertinente. O seu aparecimento, está ligado ao aparecimento do fenómeno de massas. Com o final da Segunda Guerra Mundial, a turba que fazia um apoio organizado aos clubes viu-se necessitada de alguém que pudesse alugar os autocarros e gerir as excursões. Daí a aparecerem as claques foi um tirinho. Os outros clubes, com a inveja, resolveram patrocinar as suas próprias claques, tendo-se dessa forma generalizado o fenómeno.
Há quem diga que as claques são o sustentáculo do desporto moderno. Que sem as claques os estádios estavam vazios. Eu acho que é ao contrário, sem as claques, os estádios estariam cheios. Muitos já apontaram o mal, mas ninguém quer excisar o tumor.
Um dos segredos da sobrevivência das claques está ligada à sua pseudo-militarização: a homogeneidade do fardamento; a grande resistência aos agentes climatéricos ao melhor estilo de chuva civil não molha militar, sendo frequente ver os seus constituintes nas bancadas em tronco nu à chuva e ao frio; a sistematização do exercício físico nos ginásios que lhes servem de campos de treino. A claque tornou-se até, em muitos casos, nas forças de segurança dos clubes. É comum ouvir falar de uma certa guarda pretoriana de um determinado presidente; e quando se está debaixo uma corrente de maus resultados, são a brigada de intervenção rápida na imposição da ordem acelerando a chicotada psicológica.
Recebi com natural apreensão a notícia de que a grelha da TV Cabo vai incluir um canal destinado aos bebés dos 0 aos 3 anos. Para além da mítica série Teletubies, um dos mais elaborados produtos televisivos com a capacidade de transformar o cérebro humano em merda, já estou a ver a coerência qualitativa dos programas ali expostos. A ideia é fornecer formação complementar das criancinhas no sentido de as tornar mais inteligentes. Ou por outras palavras, é um canal que permitirá aos papás terem mais tempo para si e só têm de sentar os putos em frente à ama luminosa.
Se não sabem, ficam a saber: a exposição continuada dos infantis aos televisores é muito, mas muito prejudicial. Os problemas mais graves surgem da disfunção abstracta, como são a dislexia e a discalculia, respectivamente, a dificuldade na articulação verbal e a dificuldade no cálculo matemático simples. Entre alguns dos sintomas contam-se escrever as palavras com erros ortográficos ou desacerto da colocação das vogais, a tendência para a não conclusão das palavras ou das frases e a utilização dos acrónimos. Por outras palavras, as criancinhas que desde o berço levem com o afecto televisivo terão um forte propensão em escrever N’s ao contrário, ou até não conseguir escrever de forma completa Juventude Leonina, ou escrever apenas SD. E já estou a ver a conversa entre dois jovens com discalcolia daqui a uns 20 anos:
Jovem 1: Méne, ontem mandei duas bolas de golfe à mona do láiner na primeira parte, e na segunda atirei mais quatro.
Jovem 2: E quantas atiraste ao todo?
Jovem 1: P’raí umas dez ou doze.

Após este exemplo enfático, só me resta dizer que o BabyTV será patrocinado pela Betandwin.
C.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Requiem Sem Dó Maior

Mas o que é que é isto de os humoristas portugueses quererem associar os momentos de intimidade (principalmente alusões à sedução ou até aos preliminares) às músicas do Barry White? É que lhe dão sempre com o Barry White! OK, a música presta-se a isso, mas nós também temos gajos com timbre ultra baixo em Portugal, olha, o Olavo Bilac, por exemplo (mesmo tom de voz e de pele). No outro dia era O Homem da Conspiração a ensinar o que fazer para convencer a tipa a abrir as pernas e BOING!, música do B.W. Há três dias foi no Contra Informação, onde um dos candidatos presidenciais lá metia um CD do B.W ao barulho aludindo à pré-cópula.
Eu não tenho andado a dar ao stick noutro planeta e sei que existe mais música dita sexy (é que nem se coloca a hipótese de eles andarem a ironizar com o homem). Os humoristas portugueses não perceberam que os humoristas americanos aludem ao Barry White por não reconhecerem qualidade sentimental às gaitadas do Kenny J, ou o estilo azeiteiro do Michael Bolton, pela mesma razão de eu não apreciar (é mais nem sequer admitir) música da Fafá de Belém ou do José Malhoa nos momentos alcovíticos. Por isso o Barry White é uma chavão americano para bandas sonoras da queca (eu até gosto do Lets Get It On).
Esmiucemos. Os programas acima referidos são duas criações conotadas com as Produções Fictícias, logo tem um selo de altíssima qualidade, por isso não é compreensível que haja sempre a referência ao B.W. É que o humor americano acaba por ser fácil de se fazer, se pensarmos que ironizar com uma sociedade daquelas só encontra obstáculos no “por onde é que eu vou pegar”. Começam-se a sentir os efeitos da criação circular que deriva da profunda dependência dos jovens portugueses para com a cultura americana, desde as calças de ganga, discos de carne picada grelhados e metidos em metades de pão (não conheço a palavra portuguesa para hambúrguer) e sim, na cultura comediante.
Há uma estreita relação entre as duas culturas, presente na opulência da oferta ao nível político. À semelhança dos EUA, existe em Portugal um grande incremento das más governações à produção comediante: a aparição de um ror de artistas nos últimos tempos é coincidente com o período que em História é conhecido por SLG/ PGD/QQSAF (Segunda Legislatura de Guterres/ Pseudo-Governo de Durão/ e o Que é Que o Santana Andou Mesmo a Fazer?).
Esta é uma das trombetas que anunciam o fim da comédia em português. Gil Vicente, Bocage, Eça de Queirós, Almada Negreiros, Vasco Santana, António Silva e Raul Solnado faziam comédia portuguesa e em português com temas portugueses. E sempre com elevadíssimo nível de qualidade. A cíclica ingestão governativa em Portugal provocou nos criadores de comédia o fenómeno da catadupa e muitos entraram em bloqueio criativo pelo manancial de temas que tem à disposição para abordar, à semelhança do que havia acontecido com os nossos hermanos americanos. Depois, foi fácil passar do bloqueio à perda da qualidade.
A face visível a olho nu e do espaço desta problemática é Herman José. É indiscutível que foi o melhor dos melhores: o Tal Canal, o Casino Royal, o Boião da Cultura, Herman Enciclopédia, enfim, até a Roda da Sorte; tudo pérolas de um humor 50% Benny Hill/ 50% Monty Python. Foi censurado por diversas vezes na televisão pública, mas passou à privada para apresentar (ou imitar muito mal o Tonight Show?) um programa de nudez parcial que vive à custa de um penteado loiro, de músicas populares alemãs, de um conjunto de actores cuja chama começa a apagar e do circo de monstros que ele lançou (Linda Reis, Alexandrino, etc).
Não obstante, surgiram alguns criadores que vão dando alegria à comédia, caso do Tochas, da tropa que andou muito no Levanta-te e Ri (um programa que tem um cabeça de cartaz que não chega à terra das unhas dos outros) e a equipa que produz para a Sic Radical, como o Balas e Bolinhos I & II, Ninja das Caldas e Produções Megera. Mas até isso está a mudar. Digite as palavras gatofedorento.blogspot.com na barra aí por cima e veja no que se tornaram os textos da melhor comédia: “Hoje, vai para o ar o oitavo episódio do Gato Fedorento com os sketches: "Agente faz pouco de condutor", "O Duelo", "Não faça trocadilhos com a minha profissão", "Estenógrafo apaixonado por teatro de revista", "Ninguém lamenta mais do que eu" e "Homem na bagageira"”. Pelo menos o Herman José ainda demorou vinte e cinco anos a acomodar-se.
Por isso as referências musicais na comédia deverão ser revistas, excluindo-se os romantismos em detrimento da música fúnebre com cavalos enfeitados com plumas negras a abrir o cortejo, de modo a impedir-se que a população portuguesa procrie e assista ao declínio precoce da sua juventude. Pode ser um Requiem, mas sem dó maior.
C.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Memória Ferroviária

O Comboio é um meio de transporte que encerra um mundo misterioso e grandemente apelativo ao sonho, ímpar no panorama dos transportes terrestres por esse mundo fora. O mundo da ferrovia é único. Quando comparados com ele, os outros meios de transporte ficam aquém da qualidade das memórias e confortos providos pelas composições que diariamente cruzam as estações, sendo certo e sabido que entrar num comboio é penetrar num espaço museológico onde se pode desfrutar da paisagem.
Uns dizem-me: “Ah, o autocarro também dá para ver a paisagem…”, está bem, mas e o passado? O autocarro não tem passado, é uma invenção recente e só existe porque o comboio não chega lá! Ainda para mais o autocarro é claustrofóbico, tem os assentos apertados e não dá para andar de um lado para o outro sem que o passageiro do lado nos enfie um soco nas goelas. E o motorista, ali à vista, a mirar o passageiro pelos seus três espelhos interiores? No comboio existe liberdade de movimentos e liberdade psicológica; no comboio não há condutores mirones!
O táxi assemelha-se ao o autocarro, mas possui uma vantagem: dá para sair quando quisermos. Não permite, contudo, o convívio de longo curso, já que ao quilómetro 2 da bandeirada fartamo-nos da conversa intrusiva do taxista, com as suas alusões à meteorologia, à política e ao pontapé. Ao contrário, no comboio as pessoas metem-se connosco só a partir de determinada quilometragem, após terem asseverado que não constituímos uma ameaça, no sentido de que só é ameaçador quem falar mais do que elas. E só quando não há mais nada para ler.
O comboio é uma instituição memorável. Onde é que é possível encontrar histórias como a daquele senhor que, depois de procurar lugar em todos as composições lá avistou uma vaga ao lado de uma senhora; quando ele se aproximou do lugar e começou o movimento para se anichar, a senhora disse “não”, ao que ele inquiriu “pagou dois bilhetes, minha senhora?”, ao mesmo tempo que se sentava em cima de uma saca com duas dúzias de ovos. E uma viagem entre o Porto e Coimbra que durou onze horas (+ sete que o habitual) em que até deu para um grande campeonato de sueca? Que lembranças!
E as proezas que no comboio tiveram o seu palco? Onde é que o Steven Segal limpou o sebo aos terroristas que tinham dominado o mortífero satélite no Forças em Alerta 2? E se o Crime do Expresso do Oriente se chamasse Crime no Táxi do Oriente? E se a música Take The A-Train do Duke não tivesse o Train? E Os Cinco e o Comboio Fantasma? E o Homem que via Passar os Comboios? E o Trainspotting? E os desastres ferroviários, o Pendular, etc, etc, etc. O comboio é essencial.
Ao nível cinematográfico, é certo que o Metro aparenta aproximações e já foi cenário de algumas aventuras, mas não é a mesma coisa; o metropolitano é rápido e asséptico como o sexo com uma tia da linha, não nos deixa a cheirar a gasóleo e meio penhagentos como as putas espanholas. Querem trocar dois séculos e meio de crude por meio século de lixívia (no Porto é mais ano e meio...)? Não, não queremos. O comboio é para os aventureiros e para os festivaleiros. Como é que se chega a Caminha? Por acaso nos autocarros da Turilis dá para fumar ganja? E alguém já fez interrail dentro de um táxi? Quem no seu perfeito juízo se imaginou a repudiar em pequenino os comboios e todo o seu aparato de estações, túneis, montanhas e carris, preferindo antes brincar com miniaturas de táxis pretos com tejadilho verde e autocarros pequeninos de dois andares? Digam lá!
Fiquem sabendo que alguns sociólogos defendem que o comboio é o símbolo da sexualidade na Revolução Industrial (daí a expressão “deixa-me meter-te o comboio no túnel”).
O mundo ferroviário é mágico, é especial, está-nos no sangue. Mas a magia do mundo ferroviário dever-se-á procurar também na sua analogia ao futebol. Para além da coincidência de actuar dentro de linhas e de haver jogadores que partilham a sua omnoástica, como o colombiano “El Tren” Valência e o francês Desaillis, “a Locomotiva” (talvez por ser da cor delas), o que dizer dos Chefes de Estação, com a sua bandeirinha e apito, afinal uma mistura de fiscal de linha com árbitro?
Ah, meus irmãos, é por esta e por outras que o TGV nunca será credor da minha paixão.
N-U-N-C-A.
C.

terça-feira, novembro 15, 2005

O Crítico

Uma das profissões que em Portugal mais tem cavado o fosso do reconhecimento, a par do Ocultismo e da Criação de Avestruzes, é o de Crítico. Esta profissão desenvolveu-se particularmente a partir do 25 de Abril e mais ainda desde que o Miguel Sousa Tavares aprendeu a falar. Apesar de parecê-lo, eu não sou um crítico, porque é-se Crítico a tempo inteiro; pelo contrário, edito este blog de reflexão nos meus (poucos) tempos livres (assim dou uma machadada nos detractores do trabalho intelectual), porque dirijo, na vida real, um pequeno circo de átomos. Mas muitos críticos assinam sob outras profissões, e hão-os jornalistas, professores de psicologia, advogados, gestores de pequenas empresas e críticos de televisão e de cinema.
Há que conceder que para ser-se Crítico é necessário ter-se uma coragem acima da média para reflectir sobre a plêiade de assuntos que ele aborda nos seus espaços de opinião (daquela coragem que é quase estupidez, mas não é bem: só com o criticismo frenético se chegará a esse nível). O Crítico tem de saber um pouco de tudo: tem de ser uma espécie de engenheiro-médico-filósofo. Só assim se poderá transformar num oppinion-maker, o Son Goku dos críticos.
Ao contrário das outras profissões, o Crítico não possui uma linguagem técnica, porque não existe a gíria da crítica. Mas por ser aproximado à Filosofia aplica mas não domina termos da gíria filosófica como dogmatismo, heterodoxia, hegeliano, ápodo, silogismo e paradigma. A informação que ele veicula carece muitas vezes de forma e sintaxe e é possível muitas vezes admirar verdadeiros prodígios literários como “dogmatismo heterodoxo” (isto é um oximoro).
A grande batalha do Crítico é alcançar um espaço próprio, como as folhas de um qualquer diário capaz de aglutinar o seu ensaio semanal, ou num programa de televisão de audiência escassa feito para ocupar o espaço entre as publicidades. É aqui que ele vai exercer a sua condição maior, o ser do contra. O Crítico é contra tudo e todos e até contra si: é vulgar ouvir-se o “contra mim, falo” (traduzido do vernáculo “contra mim, caralho”).
Reveste-se assim de grande actualidade o imortal Manifesto Anti-Dantas e por extenso, de José de Almada Negreiros, Poeta de Orfeu, Futurista e Tudo: “O Dantas nasceu para provar que nem todos os que escrevem sabem escrever. O Dantas é um autómato que deita para fora o que a gente já sabe o que vai sair. Mas é preciso deitar dinheiro”.
Concluindo, o Crítico é como os cães: para além de não conhecer o dono, alimenta-se alarvemente de toda a informação à disposição, misturando-a e quando a emanar rectalmente ela não servirá para nada, apenas para sujar as ruas e os nossos sapatos. Por isso vamos todos pegar num saquinho e, depois de o apanhar cuidadosamente por mor de não borrar os dedos, atiraremos o dejecto para um caixote do lixo a bem da saúde pública. Bem hajam.
E agora, meus senhores, é tempo de eu voltar ao trabalho e tentar que os átomos de meu circo produzam alguma molécula.

C.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Ensaio sobre a Surdez

Estou sentado numa mesa de café. À minha volta há outras mesas mas só uma delas tem um habitante que folheia o Notícias; sentados nos bancos altos do balcão estão cinco homens, à sua frente garrafas de cerveja e as tradicionais moscas; do lado de lá o dono do café lava copos na torneira. Por trás dele as prateleiras com garrafas impregnadas de sebo, como chouriços preparados para a cura pelo fumo. Eu estou a tentar ler o meu jornal mas um barulho perturba-me, como se o som que vem do aparelho televisor adensasse um misterioso nevoeiro sobre as letras negras do maço de folhas que eu a custo ia tentando compor em margens sobrepostas. Como não me consigo concentrar, vou dando miradas à minha volta, a avaliar o recheio social do estabelecimento.
Um dos homens tem um tique esquisito no ombro, outro fala muito alto e gargalha com o tasqueiro sobre as incidências futebolísticas da semana, um terceiro tem o cabelo à jogador da bola anos 80, curto em cima mas comprido e a cair em cachos para os ombros, os outros dois são mais velhos e com cara de poucos amigos. Exceptuando o que está a falar com o tasqueiro, todos os outros estão a olhar para a TV que parece estar a debitar ainda mais alto.
Volto a olhar para o jornal e folheio só para apanhar os títulos: Tumultos em Paris, 27 mil carros queimados só este ano; «espectáculo», pensei, «era decretar a lei marcial e disparar à vista que aquilo acabava num instantinho»; Na Finlândia é possivel aceder à declaração de rendimentos do vizinho por sms, «olha que em Portugal esta merda era capaz de dar resultado … sempre ficava a saber o que é que faz o meu vizinho para ter um Mercedes e um Audi A4 Sportwagon … ou a mulher dele»; A empresa que produz o medicamento EPO vai patrocinar a Volta à Califórnia em Bicicleta «O quê? Mas afinal faz sentido, porque a Amgen só está a investir nos maior mercado da EPO»; Morreu a fundadora da revista Burda «Com 96 anos!?! De onde se prova que a foleirice dá longevidade. AHAHAHAH».
A televisão está agora mais alto. Como estou de costas não sei do que se trata, mas toda a gente está em silêncio e a seguir atentamente o conteúdo do programa. «Que programa é este que tem estes marmanjões presos ao ecrã?» interrogo-me.«Já começou o telejornal?» Volto-me e descubro que estava enganado; a fina flôr do machismo nacional está rendido aos Morangos com Açúcar.
Queixem-se que o país não vai p'ra frente, vá lá.
C.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Em Torno de Asterix L Goulês

Sendo este um espaço com predilecção pela literatura e atento ao maná editorial, foi com uma agradável surpresa e natural satisfação que assistimos ao lançamento de uma aventura de Astérix na outra língua oficial portuguesa, o mirandês, o nosso basco. Primeiramente tem de se dizer bem da tradução. Acabou-se a malapata da interpretação livre que certos tradutores vinham protelando (basta o exemplo de Die Hard = Assalto ao Arranha Céus/ Die Hard II = Assalto ao Aeroporto*), daí que Astérix, le Gaulois em mirandês é Astérix L Goulês (e não "L Ome qui bibia nel sítio c’agora tus padres bulem").
Mas esta edição não foi perfeita, por isso tenho de dizer mal de uma coisinha de nada. Como o centro do país é a nossa capital e como tudo o que se produz em Portugal tem de passar por Lisboa, mesmo não lhe dizendo respeito e lá não se produza nada, lá tivemos que gramar com o lançamento na capital. Uma primeira edição de 3.000 exemplares esgotou-se em minutos; a Mirandela e às escolas mirandelenses só chegaram fotocópias do livro.
De onde se descobre que há em Portugal uma cambada de néscios prenhes da imbecil boçalidade que medra nas margens do Mar da Palha, que não satisfeitos de não saberem falar português, insistem em comprar um livro traduzido numa língua que não entenderão, porque o mirandês é como o basco, vive dos sons bravos, das palatizações, ao passo que o lisboeta é tragicamente expirado transformando Filipes em Felipes e as vassouras em vassôras. Estou certo que este álbum, depois de folheado entre um pires de pipis e uma ginginha será arrumado sem delongas mais que o tempo de um arroto na estante, onde afinal jazem funerariamente os vinte e oito volumes da Enciclopédia Luso-Brasileira, a obra completa do Prémio Nobel Saramago ainda no plástico e um exemplar lido do Código Da Vinci.
E depois admiram-se que o PIDDAC para 2006 tenha mais uma vez uma distribuição democrática em que a região de Lisboa/Vale do Tejo leva 70% do guito; mas descanse-se que à Província caberão as fotocópias.
C.
PS: Este post esteve para se chamar Duas Reflexões em Torno da Arte de Mamar.

*chamo especial atenção para a semântica da palavra inglesa II

sábado, outubro 22, 2005

HARRY, potter que te pariu

Meu caro amiginho,
Eu sei que estás a passar por uma fase complexa da tua vida, afinal não é fácil ser-se adolescente nos dias que correm. Mas tenho notado que andas meio perdido e como tenho algumas responsabilidades pedagógicas com a juventude, custa-me ver-te a cair na degradação, ainda por cima quando isso acontece em locais como o Panteão Nacional e no Carmo. É que os jovens prodígios tendem em ser mal orientados e depois deixam de ser jovens e de ser prodígios. E está na altura de cortar com essas pieguices, porque assim não vais lá. E para britânicos em crise de adolescência já nos chegou bem o Adrian Mole. Vou-te dar um ou dois conselhos para melhorares a tua imagem.
Primeiro. Deixa Hoggwarts já! Isso é uma escola dos betinhos, é a Eton dos bruxos. Deverias ser mais trash na tua educação, pá. De outra maneira só terás tendência para as camisolinhas de malha a duas cores, o encantamento de vasinhos de flores e ser uma espécie de fada do lar com varinhas mágicas e poções (vê os filmes do Dirty Harry e diz-me se não dá mais resultado ser meio gringo com uma Magnum 45 nas unhas em vez de um betinho com uma varinha). Aos mágicos de hoje são pedido coisas grandes, como atravessar a Grande Muralha, fazer desaparecer aviões, rematar em trivela e esconder os números do défice. Tens de te modernizar, meu. Pensa bem: nos tempos actuais, em que há computadores e metro no Porto, tu perdes tempo a aprender coisadas em latim e a transformar pessoas em sapos? Eles deveriam ensinar-te a esgalhar chaves do Euromilhões. Isso, sim, era magia!
Segundo. Mudar de visual. O teu cabelo tem o potencial do Beckam, mas insistes em tratá-lo como se quisesses tornar-se num decadente com uma trunfa à Nuno Rogeiro. E muda de meio de transporte que as vassouras já não se usam. Compra um aspirador, a scooter dos ilusionistas!
Terceiro. Gajas! Eu reparei que tu desperdiças umas babas para cima da Hermione (e fazes bem, porque ela vai dar cá uma bomba), mas tens de ser mais insinuante. Quando é que te resolves a dar umas trincas na tua coleguinha, hã? Ou não me digas que tu estás mais virado para o Ron? (Esquece, ainda és muito novo para isso). Encostas a rapariga a um canto e sacas-lhe uns chochos; daqui a dois ou três anos (se fosse a sério seria daqui a dois ou três dias) já lhe saltavas ao poleiro!
Harry, Harry: a culpa não é tua; afinal, percebe-se agora que padeces do que a nossa juventude portuguesa: a falta de uma educação realista de alto nível e de progenitores que os orientem na idade do armário. E parece-me que a tua criadora, apesar do ziliões que já lhe deste a ganhar, não se preocupa muito com isso, não é? Olha, amigo Harry, potter que te pariu!
C.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Da Gripe e das Aves

Toda a gente me questiona: não se estará a exagerar a “gripe das aves”? Só porque a passarada molhou os pés e anda por aí a cair como tordos por causa de uma constipação, será razão suficiente para os Telejornais não se calarem com as pandemias, os milhares de mortos e desalojados?
Isto, meus amigos, são manobras do lobbie dos criadores de rebentos de soja para lançar a confusão e acabar de vez com a credibilidade da indústria do frango. O guarda-redes do Sporting e criador de aves em cativeiro Ricardo, já fez saber no seu site frangos.na.net “não pode um futebolista fazer um investimento para o futuro, acautelando-se o desgaste rápido provocado pela profissão, que vem logo os ticoons da soja tentar suprimir o negócio na carne avícola. É que não chegava a cena dos nitrofuranos”). Mas a ser verdade, a situação é alarmante e preocupa-me a veleidade com que se está a encarar esta situação.
Vejamos as FAQ (frequently asqued questions) no meu email:
1º Dr. Croius, toda a gente fala da “gripe das aves”, mas existem certezas? DJ-Ovar
A gripe é um estado gripal despoletado na rápida oscilação térmica do organismo, geralmente após o resfriado. Ora, a passarada anda por aí ao tempo, sem agasalhos mais que uma camada de penas, apanha muito sol na cabeça e depois correntes de ar.
2º Caro Dr.: não será antes um caso de herpes labial das aves? AMFM-Trancoso
O herpes labial aparece geralmente nas galinhas, pois é um bicho que come tudo o que lhe aparece à frente, desde pedrinhas até às minhocas. Com bicos destes, é fácil apanhar doenças.
3º Ó Dr. Croius, o que são os bicos de papagaio das aves? BTT-Bragança
Os bicos de papagaio são problemas de ossificação anormal na coluna vertebral. Quem mais sofre com os bicos de papagaio das aves são, como o nome diz, os galos. É só ver a forma estranha como eles se movimentam. Se não são bicos de papagaio ...
4º E o pé-de-atleta em pés de pato? DZRT-Sintra
Esta doença é frequente no bodyboarder, que não é bem uma ave; se fosse ave era do tipo pavão, por razões de coloração e de pilosidade óbvias. E se tem pé de atleta e empresta os pés de pato, é do tipo pavão-porco.
Como se pode verificar por esta rápida análise, trata-se efectivamente da gripe das aves. E como à partida é contagioso temos de ter cautelas. Um dos meus colaboradores contou-me que a União Europeia preparou um pacote de medidas de prevenção para fazer face ao avanço da pandemia. Uma das mediadas é a introdução da Licenciatura em Aviceptologia* nas principais universidades do Velho Continente, de modo a prevenir-se a multiplicação dos focos de contágio. Esta nova saída profissional, que em Portugal terá bastante procura, até pelos incentivos concedidos pelo Governo de Sócrates aos jovens licenciados desempregados que poderão frequentar o curso em regime de pós-graduação, canalizará grande parte da nossa população activa para o combate à “gripe das aves”. Se o espectro do desemprego deixará de pesar sobre milhares, também é certo que os exporá ao contágio, o que poderá representar um sério revés para o futuro técnico e científico de Portugal e da Europa. Deve ser isto o choque tecnológico. Parece que foi posta de parte a medida preconizada pelo ex-director do Expresso, o Sr. Saraiva, agora EUSA4TKE (Europeen Union Senior Advisor 4 This Kind of Emergencies) de pulverizar a Sibéria com Cortigripe misturado com Aspirina C.
Mas o problema maior poderá incidir na sociedade civil. Todos sabemos que a caça (cinegética enquanto ócio) é o refúgio da genuína virilidade (ultimate-macho-man, em americano); como é que esta importante minoria étnica se vai comportar quando se começar a entender que o grupo de homens que anda pelos montes de arma na mão é um dos grupos de risco para incubação=transmissão de uma doença que pouco se conhece e cujo estafermococus mais conhecido se chama H5:M1? Porque me lembro perfeitamente de ter morrido o António Variações que era cabeleireiro e na altura também havia aparecido um certo HIV que provocava uma doença fatal de transmissão duvidosa, em que os cabeleireiros eram um dos grupos de risco.
Meus amigos, se por um lado se percebe que a História se repete ou, como se diz entre o povo, a vida dá voltas e mais voltas, por outro, a existência desta nova doença faz com que a falocracia se depare pela primeira vez com a irreversível espiral do extermínio. A espécie humana poderá estar à beira do FIM.

* Diccionário do Dr. Croius: Aviceptologia, s. f - é a arte de apanhar aves com laços e armadilhas.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Rerum Politicae II - Ab Scrutinium

O Homem é um Animal Político
Rosseau

Rui Rio é uma Besta Política
Anónimo SD Cerco

Perante as recentes eleições realizadas em Portugal, penso que a partir de agora os escrutínios deveriam ser efectuadas através do método do “braço no ar”. Este método ancestral de escrutínio consiste na erecção de um dos membros superiores quando em concordância com a questão colocada. Por oposição ao voto secreto, este é o voto desvelado. Após apurado estudo, julgo ter sintetizado os principais problemas do sistema eleitoral português e seus sucedâneos, a saber, falta de dignidade do processo de escrutínio, desmotivação dos cidadãos para a política e consequente alta taxa de abstenção. O Sistema Braço No Ar (SBNA) representa a solução perfeita para estes problemas.
O actual processo de escrutínio é deselegante. Atente-se à figurinha usada em Portugal para o cidadão poder exercer o seu dever cívico: depois de recenseado, tem de levar com duas semanas de campanha; no dia da eleição aguarda na fila em frente da urna de voto até chegar a sua vez para, à socapa e a coberto de um nicho, inscrever uma cruz numa quadrícula de um papelinho, para depois o inserir dobrado em quatro numa ranhura; no final do dia, os camelos que perderam um Domingo perfeitamente saudável atrás da caixa negra ou a fazer a cacicagem da caça ao voto à boca da urna contam os papelinhos e pronto, já está. Nada mais económico e confortável. Mas isto não é nada. Não é assim que se mobilizam os portugueses para a Política.
O SBNA traria ao processo eleitoral uma clara poupança de tempo e dinheiro, para além de garantir a adesão do cidadão à Política e às votações. É que o SBNA apela aquilo que é mais primitivo no Homo Politicum: a inveja. Passo a explicar.
Este sistema só poderia funcionar com recurso à concentração dos cidadãos recenseados em determinado local amplo, nunca segundo o processo de inquirição pessoal. Nem tão somente existiria compatibilidade com a egoísta real gana do cidadão em comparecer junto às urnas de voto à hora que lhe apetecesse. O presidente da secção de voto determinaria um local e uma hora onde os recenseados se reuniam; após uma necessária confirmação de aptidão para o voto por parte dos eleitores, apresentavam-se os candidatos. Era nesta altura, e só aqui, que se apresentavam os respectivos programas, isto é, que o eleitor tomava contacto com a campanha. O dinheiro que se poupava em cartazes e autocolantes. De seguida o presidente da mesa nomearia os candidatos e os cidadãos levantavam o braço mediante a sua preferência. Deste modo não haveria espaço para “eu nunca prometi isso”, nem o típico “faço, desfaço e aconteço”, porque a turba tem a memória longa. Era o início da reabilitação do Político. Assim, neste sistema as pessoas iam votar por duas razões: 1ª para ver se os vizinhos iam votar e em quem e para os vizinhos os verem a votar, o clássico ver e ser visto; 2º no caso do vizinho se candidatar, ter oportunidade de se candidatar também. A participação e abstenção estariam desta forma comprometidas, visto que o português anda sempre a controlar o vizinho.
É certo que este método acarretaria algumas desvantagens que, bem entendido, se traduziriam maioritariamente em problemas do foro logístico. Mas nada de grave. Pode-se dizer que um dos principais inconvenientes seria do foro psicológico, pois o cidadão ver-se-ia confrontado com a dramática tomada de decisão/ acção aos olhos dos outros, mas acabaria-se de vez com a frase muitas vezes ouvida “eu não votei nesses gajos” nem com a famigerada "se ninguém votou neles, como é que eles ganharam as eleições?". A questão dos espaços e das horas de reunião também poderiam ser problemáticas e gerar a abstenção, mas se ao mesmo tempo da votação se programasse uma sardinhada regada a vinhaça (sumos e fêveras para quem não gostar), a abstenção seria automaticamente suprimida. E se a eleição estivesse prevista para o Verão? Fazia-se na praia! E se estivesse a chover? Fazia-se nos Estádios do Euro; seria a melhor forma de reabilitar a torpe relação entre a Política e o Futebol!
Estou em crer que a generalização do Sistema Braço No Ar (SBNA) garantiria a resolução destes graves problemas que infectam a vida política e, portanto, os políticos portugueses. A Política em Portugal está descredibilizada por falta de erecção. E lá diz o anúncio “Sabia que um Homem demora em média 4 anos a admitir sofrer de disfunção sexual?”. Olha que ele há coisas ...
C.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Decálogo Para Uma Candidatura Presidencial

Porque a Presidência da República é a única instituição política portuguesa que deriva da perfeita Democracia, isto é, parte do sufrágio directo e não de merdices representativas, e porque é livre a qualquer cidadão com mais de 35 anos desvinculado de qualquer partido político, aí vão alguns dos requisitos necessários ou se calhar as dez (daí decálogo) condições necessárias (mínimo de três) aos que almejam cama e pequeno almoço no Palácio de Belém durante os próximos 5 (ou quem sabe 10) anos.

1º Ser vocalista dos Ena Pá 2000 ou dos Irmãos Catita e levar as assinaturas em cima de um burro.

2º Ser de esquerda e não gramar o Mário Soares.

3º Ser canhoto e não gramar os dextros.

4º Ter mais de 80 anos e não saber o que fazer para ocupar o tempo.

5º Ser ambidextro.

6º Ser ex-ministro da defesa, neto do Sacadura Cabral e não gramar o Cavaco Silva.

7º Ter no curriculum as palavras Resistência+Argélia+ Nambuangongo+Poema para Figo.

8º Pertencer a um partido que tem Esquerda na denominação e ir a votos só porque o dirigente do partido rival também vai.

9º Pertencer ao MRPP (Partido das Bombas, como diz o meu pai), ser advogado e ter um corte de cabelo fora de moda desde 1932 (atenção Sr. José Manuel Durão Barroso, o senhor já preside à Comissão Europeia e já não faz parte do MRPP, por isso tire o cavalinho da chuva).
10º Ter sido 1º Ministro Português entre 1975 e 1995 e andar mortinho por aparecer, apesar de ser um tabú.


Se achas que tens a 4ª Classe (a antiga) e desejas servir a tua Pátria, concorre já! A República precisa de ti! C.


Comunicado em Rodapé
A redacção do weblog Salmoura, por intermédio do seu Provedor do Leitor, vem por este meio esclarecer que a palavra Bomba foi colocada no texto segundo uma lógica de sarcasmo para com um partido político português e não de ofensa ou ameaça para os EUA. Acrescente-se para melhor entendimento que onde se lê MRPP dever-se-á ler Movimento Revolucionário "o Pum Pum". Portanto, sr.s da CIA, vão-se nicar se me estiverem a ler através do vosso sistema de referências cruzadas por palavras suspeitas. O Provedor

quinta-feira, outubro 06, 2005

Rerum Politicae

Os meus amigos sabem que este espaço não costuma ser ocupado com mariquices em torno da política, do futebol e mesmo da religião. É um espaço isento. Este pequeno introito serve para lavar a cara do que se falará à frente, o que o título bem consagra. Assim, não se tratará da Política, antes das coisas da Política, o que é manifestamente diferente. Falo, é claro, de campanhas elucidativas do que os principais partidos, qual o mais infeliz, estão apostados a fazer. Assim vai a Política em Portugal.

#1. Manuel Maria Carrilho. O candidato PS à Câmara de Lisboa parece que foi escolhido segundo aquele sistema do pauzinho mais pequeno (ahahahahaahaha), por tão ridículo. O menino enfezadinho até parece que foi metido à pressa dentro de um fato Armani. Mas o Prof. Carrilho é bom para debates à base do insulto, se bem que lhe faltava um estagiosito aqui pelo Norte para aprender uma bocadinho de retórica de mercado. O maior trunfo da sua campanha, a futura primeira dama Bábá Guimarães só dá que pensar: ela escolhe-lhe as roupas para o dia seguinte, como qualquer esposa devotada; ele escolhe-lhe as leituras, sugere as adjectivações a utilizar no culto programa televisivo que ela apresenta e explica-lhe que Schopenhauer era um filósofo alemão e não o termo germânico para mamada prolongada (chupen+hour).
#2. Do PSD só me dá para reflectir sobre isto: o Alberto J. Jardim ameaçou que se o PS ganhar na Madeira não haverá verbas para ninguém; já tardava o tempo da chegada da Democracia ao nosso enclave separatista.
#3. Só há uma palavra que consegue sintetizar as acções de campanha da CDU: previsível. Se as quiser evitar, não apareça à porta de fábricas durante os próximos 237 anos.
#4. Uma coisa é certa: dá para ver que as festas do Avante (do PCP) serviram para alguma coisa: pelo menos inspiraram a campanha do Bloco de Esquerda, pois trata-se de uma campanha eclética, longe do cinzento que colora as demais campanhas. Exemplo: já lá vi peças de teatro de rua, ganza, circo, marionetas, karaoke político estilo DVD’s Louçã (não confundir com K7’s Cunhal), música alternativa e marijuana. Sim senhor. Um exemplo. E tudo gratuito.
#5. A campanha do CDS-PP é, por seu turno, antipoda da do BE. É coerente e homogénea. Bem dentro daquilo que ficou escrito no manual de campanhas do seu Grande Timoneiro, A Arte da Feira, a guerra autárquica deve ser levada às feiras e cada combatente equipado do M64 político, a saber, sacola com calendário+ programa +poster +esferográfica + autocolante, sem mais artifícios que não seja aquele ar de gajo a quem lhe atiraram uma peruca manhosa à foda-se para cima, e aí vamos nós! Alguém tem é de lhes explicar que os feirantes não votam, porque também se fazem feiras aos domingos.
Até Amanhã, Camaradas, como dizia o defunto Manuel Tiago.
C.

quarta-feira, setembro 21, 2005

Carta Aberta ao Sr. Dan Brown

Excelentíssimo Senhor,
Fui na onda e li o seu romance (as palavras são suas) O Código da Vinci. Li e li com cuidado, mas digo-lhe já que não repetirei o erro de ler outra diarreia mental de Vossa Senhoria, como o Anjos e Demónios. É que tenho medo que o seu estilo fácil seja contagioso. Sim, leu bem. O seu estilo literário é fácil. Fácil do tipo literatura de aeroporto. E é incrível que uma pessoa bem formada como é o caso de Vossa Excelência caia tão facilmente no género que se apresenta nos escaparates das lojas de aeroporto.
Convenhamos. O assunto não é novo. Cristo, Maria Madalena, evangelhos apócrifos, manuscritos do Mar Morto, o Santo Graal, Leonardo. Até aqui tudo bem. O engraçado é misturar tudo com Opus Dei. É a mesma coisa que meter num saco seis bébés e uma cascavel: é tudo muito bonitinho até que começa a polémica. O pior é quando Vossa Senhoria empeça a desenrolar a teia de acontecimentos que apesar de até certo ponto bem urdida, acaba por se tornar uma chachada à americana. É que tudo bate-demasiado-certinho, não há o Princípio da Incerteza que reveste a melhor literatura. Vossa Senhoria já alguma vez ouviu falar de figuras de estilo e ambientes psicológicos? É que as suas descrições dos ambientes é risível e os únicos momentos em que se lê uma metáfora é quando a personagem diz “excelente metáfora essa” ou “nunca tinha ouvido uma comparação tão boa”!
Depois, Senhor Brown, os seus personagens são risíveis. O simbologista Langley é o tipo de herói que os americanos da classe média almejam (almejam = desejam): meia idade, não é atraente mas inteligente, domina um assunto que mais ninguém domina (isto é, não há lugar ao contraditório) e resolve todos os enigmas ao melhor estilo do Inspector Colombo, o olho meio vesgo a tirar ilações a saca rolhas. Depois a heroína Sophie, com aquela luta interna com o Avô (Freud chamava-lhe complexo de Electra, eu chamo-lhe o Complexo da Heidi), ainda por cima criptologista (mais uma especialista numa merda que ninguém domina; só faltou o neurologista e o Horatio do CSI-Miami). Ainda há um fanático religioso albino, um académico tarado pelo Santo Graal e um inspector chamado Bezu Fache. Bravo!
Mas o golpe final surge na miríade de descrições pormenorizadas em que mostra que se documenta para escrever as suas patranhadas. Exemplos: o avião de Teabing é um “Elisabeth Hawker 731 com motores TFE”; já o todo-o-terreno dele é um “Range Rover Jar Black Pearl 4x4 com transmissão normal com faróis de alta potência de polipropileno, montes de luzes nas traseiras”; enquanto a pistola do Silas é uma “Heckler and Koch”. Ó Senhor Brown: Vossa Senhoria deveria começar a pesquisar material nas bibliotecas e em livros, não em revistas como a Autosport, a Hangares e Hélices e catálogos da Redoute e da Loja Raposa!
O problema é que toda a gente decidiu editar sequelas: o código descodificado, Maria Madalena factos e mitos, a mentira por trás do código, etc. E a Igreja Católica até veio dar alguns toques à polémica a aguçar a curiosidade das pessoas (se calhar tem comissões nas vendas), ao condenar os trechos que abordam aquela coisada entre o Homem e a Mulher. Todavia uma coisa é certa: o povo gostou e o Senhor enriqueceu. Porque não haja dúvidas que acertou numa rentável fórmula editorial: Cristo Vende! Descanse Vossa Excelência, que se for excomungado como o Saramago (que também já escreveu sobre os amores de Cristo com Madalena), pode ter a certeza que também receberá o Prémio Nobel, não da Literatura, mas da Física, porque descobriu uma forma de transformar merda em folhas!
Com os mais respeitosos cumprimentos,
Croius

terça-feira, setembro 20, 2005

Teste os seus Conhecimentos

Seleccione as castas predominantes nos vinhos do Douro
1. gancia, fita azul, cabernet sauvignon
2. murganheira, raposeira, cabeleira
3. touriga nacional, trincadura, roriz

A cerveja obtêm-se usualmente por
1. mijo de boi destilado com açucar amarelo
2. fermentação das plantas, em ramos, bouquets ou centros
3. fermantação de lúpulo, malte ou cereias

O desdobramento do acrónimo CRF é
1. Casa Refrescos Frescos
2. Companhia Real de Festas
3. Carvalho Ribeiro Ferreira

A tequilla bumbum é
1. uma bomba contra espanhóis
2. uma marca mexicana de bikinis
3. uma bebida obtida pela destilação do cacto

As siglas JB significam
1. Jaime & Baldemar
2. João & Bítor
3. Justerinni and Brooks

O rum é mais apreciado
1. na Fábrica
2. no Sindicato
3. nos barcos de piratas


Se a maioria das suas respostas é do grupo 1, o senhor é uma besta ignara que pensa que os bebés vêm de cegonha desde a França. E Valdemar é com V.
Se a maioria das suas respostas é do grupo 2, o senhor padece de uma doença crónica chamada homossexualidade. E deve ser da Trofa, já que não sabe que Vítor se escreve com V (Paneleiro e da Trofa, que azar!).
Se a maioria das suas respostas é do grupo 3, parabéns, o senhor é um alcoólico, mas um alcoólico instruído.

sexta-feira, setembro 16, 2005

Carta Aberta ao Sr. Director da NASA

Ex.mo Sr. Director

Ontem estive a arrumar uns papéis lá em casa e encontrei um jornal com a notícia sobre o vosso space shuttle Discovery e do problema com a placa cerâmica do revestimento externo. A minha pergunta é só esta ‘mas o que é que se passa na instituição que Vossa Excelência dirige?’
Como Vossa Excelência certamente sabe, aquele veículo custa 80 (oitenta) milhões (1.000.000’s) de euros (€). E não me venha dizer que num orçamento de oitenta milhões de euros não há espaço para a cerâmica de qualidade. Se não há é por que procuraram mal. De certeza absoluta que a Revigrês, a Sanitana ou até uma Roca poderiam fazer um preço muito mais em conta (se está a pensar na Vista Alegre, esqueça, é bem mais caro. E está-se a falar de cerâmicas, não de porcelanas). Ora francamente, Senhor Director! Até porque tem Vossa Excelência o bom exemplo de quando o marido da Bárbara Guimarães era Ministro da Cultura (agora não me lembro do nome, mas o senhor sabe quem ele é, ele candidatou-se à Câmara de Lisboa) gastou não sei quantos mil contos de rei em louças de quarto de banho.
Mas eu desconfio que vocês andam com problemas. Cá para mim nem é preciso fazer inquéritos, porque de certeza absoluta que trabalham portugueses na sua instituição, para gastarem tanto dinheiro numa coisa que depois apresenta problemas logo à primeira. Procurem bem em frente às máquinas de café ou atrás dos jornais A Bola.
E outra coisa. Porque é que não substituem o combustível que usam que é caro e extremamente poluente e não põe o foguetão a andar a electricidade? Neste caso dever-se-ia chamar electrão! É que se evitava ouvir a conversa do outro dia na Estação de Serviço da auto-estrada quando o vai-vem Discovery lá parou para reabastecer:

Astronauta (ou como diz a Fátima Felgueiras, Austronalta): É p’ra atestar, se faz favor. Aí tem as chaves do depósito. Roda para a direita, está bem?
Gasolineiro: Obrigadinho! Ó chefe, isto aqui é uma bomba do camandro! (e virando-se para o colega) Deve beber para aí uns 25 aos 100, este menino. Os veículos americanos é tudo assim, se tiverem menos de 3500 de cilindrada os gajos lá nem lhes chamam carros, é cortadores de relva (risos).

Agora não pense que eu não tenho nada a ver com isto, porque o dinheiro que vocês derretem assim sem lei nem grei sai dos meus impostos. Ai acha que não? Então repare:
NASA=Administração Bush=Iraque=petróleo=gasolina sem chumbo=opel corsa 1.0=Dr. Croius. Valeu?

Juizinho, homem!

Atenciosamente
Croius

quinta-feira, setembro 15, 2005

Submarino Nau

(A cena passa-se dentro de um dos novos submarinos portugueses em operação de vigilância à costa portuguesa ao largo do cabo da Roca; o capitão e o Imediato consultam a carta marítima colada na parede de acrílico junto ao braço do periscópio, enquanto os técnicos conferem os sistemas de comunicações e de navegação. De repente BOINK!!!!)

Capitão: O que foi isto?
Marinheiro: Isto foi um toque meu capitão!
Capitão: Alguém já nos bateu por trás. E eu que ainda à dois dias levei o submarino à revisão.
Imediato: Mas quem bate por trás é que paga, meu capitão!
Capitão: Ah é? E se o gajo for um traficante marroquino de produtos tradicionais sudaneses feitos à mão em Taiwan? Eu quero ver quem é que vai pagar o conserto! Estou tramado!
Marinheiro: Ó nosso capitão, deixe lá que eu tenho um cunhado que tem uma oficina e arranja peças preços de fábrica!
Capitão: Mas tu sabes quanto custa a óptica traseira deste menino, sabes? Nem a fábrica me safa. E o pára-choques? E a tinta! É que isto não é uma traineira, caramba! Mas vamos lá ver o que é que aconteceu. Emergir! Emergir!
(soa uma sirene)
Imediato: Emergir! Emergir!
(o submarino emerge e o capitão, seguido pelo imediato e pelo chefe da mecânica saem da escotilha; lá fora vêem uma traineira espanhola com a proa toda espatifada e a ameaçar afundar)
Capitão: Ó chefe, já viu o que fez? Anda p’raí distraído e não vê a quantas anda?
Capitán del Pesquero: Hermano, puedes estar descansado que tiengo seguro contra todolos risgos ... Decháme buscar la cartita vierde...
Capitão: El caralhito é que tienes, que nenhuma apólice cobre abalroamento de submarino.
Chefe Mecânico: Bem dito, meu capitão!
Capitão: Chefe mecânico, faça um relatório dos estragos. E vocês, ó Lolitas, que é que andam a fazer em águas territoriais portuguesas a esta hora? A primeira fase do Euro 2004 já acabou à muito (risos da parte dos portugueses) e Aljubarrota já foi à mais de 600 anos (mais risos entre os portugueses).
Capitán del Pesquero: Mira, passaba por aí y no hay visto el submarino, coño, pensaba que los portugueses no los tenían.
Capitão: Mas temos-los e no sítio (sonoras exclamações entre os portugueses). Mas ao que andam por estas bandas? A traficar droga? A tentar invadir as Berlengas? Diz lá!
Capitán del Pesquero: Vamos a camiño de Santiago por mar a cumprir una promiessa que hisgo al Matamoros en uña noche de borrasca!
Capitão: Está bem, pronto. Mas ai de ti se andas a pescar dentro das nossas águas!
Capitán del Pesquero: Quién, yo? Nunca, que me cague una gaviota en la chuletta de ternera!
Capitão: Prontos, não é preciso jurar. Vamos preencher a declaração amigável e fica tudo resolvido! Se quiseres, até te escolto até águas espanholas.
Capitán del Pesquero: Hombre, que cordial eres. Tieno una impressión totalmente diferente de los portugueses ahora.
(Moral da História)
Capitão: ainda há portugueses que não concordavam com a compra dos submarinos!

Até pensei vender a minha casa ...


A época dos incêndios não deu tréguas a ninguém. Mas muito francamente nem percebo porque é que há tanto alarido em torno de umas quantas fogueiritas. Aqui por Viana ardeu toda a serra de Santa Luzia. O fogo deu duro durante dez dias, com acendimentos e reacendimentos. E tanto turista com o pulmão congestionado e o olho lacrimejante da fumarada que caiu sobre as festas da Agonia (o trocadilho que daqui poderia sair, meus amigos) ... mas agora Viana está mudada, até já parece Lisboa: para além de estar assim em cima do rio e de ter uma ponte metálica e outra de betão, trocou o verde Minho que a rodeava por aquela cor mais meridional e mediterrânica, o castanho-merda.
Outro dos factores positivos dos incêndios na região de Viana foi a afluência das gentes aos locais em combustão. De facto, as pessoas mobilizaram-se para junto dos incêndios e até criaram um sistema inovador de apagar o fogo: empunham o telemóvel e capturam as chamas com a máquina fotográfica. O movimento formou longas filas de trânsito recheadas de pessoas ávidas de capturar o fogo. (e Região de Turismo ainda se queixava à tempos da não afluência de turistas...). Da minha casa as chamas viam-se bem, pois está voltada para a encosta e, caramba, o Senhor me perdoe (agora e sei que me acicatou um acesso desmedido do mais egoísta mercantilismo), que até pensei vender a casa aproveitando da melhor forma a subida do valor dos terrenos que os incêndios sempre originam. Agora estou com remorsos de ter pensado em explorar aquelas gentes voluntariosas que em Espanha (esse sim é um país com P grande) já são chamados dos novos heróis, los mirones.

quarta-feira, julho 13, 2005

UM POST INESPERADO

Estive para não escrever sobre isto. Porque li 5-7-75 e fiquei com a sensação de que o silêncio é a melhor resposta. Não queria que fosse entendido por cobardia, antes a manifestação do respeito e da introspecção que aquelas palavras provocaram. M. Yourcenar escreveu «a palavra escrita fez-me ouvir a voz dos homens» e esta auscultação, que não foi a primeira, admito, porque me lembro muitas vezes certo tempo no Café do Cais, onde eu cresi muito interiormente. Mas o troco tem de ser dado, enfim, que nas relações humanas deste calibre, deve haver o princípio das contas à moda do Porto.

Se calhar perdi muito em não ter tido um irmão mais velho ... da mesma forma que ganhei em sê-lo. Mas tenho a certeza que tive muitos modelos, e dos bons, não, dos fantásticos a quem seguir. O meu Pai, o supremo companheiro e compincha de nós todos e em partes iguais, que não permite que sejam melhores que ele (se calhar ninguém é). Há que apontar esta responsabilidade.

Sempre respeitei as posições das pessoas, apesar de querer sempre tudo à minha maneira; muitas vezes discordámos, mas a vida é de cada qual, por isso é que temos responsabilidade. Custa-me que tenhas optado por um caminho distinto, mas a decisão é tua e respeito-a. Mas não penses que não tenho orgulho em ti.

Sempre fui um conservador. Gosto de jogar pelo seguro. E é um bocado estranho admitir que tu ouvias as músicas da moda que eu ao princípio detestava e depois, passado um ano, lá começava a ouvir e gostar. O mesmo se passava com os livros. Tu lias mais do que eu, antes de mim, mesmo desde os nossos 10, 11 anos (até me lembro que eu não sabia o que significava bocejar e tu deste o exemplo da Heidi que quando estava na cidade era obrigada a comer óleo de fígado de bacalhau e quando os miúdos não queriam abrir a boca, administravam-lhe o «medicamento» quando bocejavam), sabias as histórias todas do Spiderman, do Batman e da Liga da Justiça. O exemplo mais redundante é o do Umberto Eco: tinhas lido os Diários Mínimos, depois leste o Pêndulo de Foucault; eu, só passados 10, 12 anos é que o li.

Agora fisicamente separados, mais velhos e mais sentimentais, estamos mais chegados que nunca. Mas apesar de comunicarmos quase todos os dias, tenho saudades, saudades de ti, saudades de todos. E choro em silêncio, porque entendo agora o que é crescer e o que é esse sentimento. Isso, meu irmão, isso é amor. E não o amor que poderá um dia iludir uma mulher, que se devota a um clube ou até a uma profissão. Isto é amor, daquele que não sai, que não se compadece, que não tem medo. Daquele que poucas vezes se admite e raramente se transmite. E eu AMO-TE.

quarta-feira, junho 22, 2005

Manta de Retalhos IX

prévia manta Mannanan

Levantei-me e tentei interromper a refeição da rapariga com um chavão de engate micro-machista, mas uma mão pousou no meu ombro. Voltei-me e ali estava ele, o tucano, agora de pistola em punho. «Foda-se», pensei, «a diplomacia nunca foi o meu forte. E agora?». Perante aquele quadro de quase tragédia, levei instintivamente a mão ao peito e atirei um defensivo
- Óh amigo, desculpe-me lá o meu comportamento; é que sempre ocorre qualquer coisa de transcendental quando encontro a minha ex-sogra.
- O quê, o senhor já foi parente daquele pote de gelatina verde? É de tomates, caralho! Se a minha sogra fosse daquele calibre, eu andava era por aí aos tiros – e dizendo isto recolheu o ferro no interior do casaco - Esqueçamos esta lamentável cena. Era para onde?
- Agradeço a sua solidariedade. Mas já não vou chegar a tempo, pois tinha de estar dentro de 15 minutos no centro, e frente ao Banco de Portugal!
- É difícil mas não impossível. A correr bem estamos lá em 14 minutos. Correu de volta ao carro e dali a pouco, enquanto eu fiquei pregado ao chão perante a reviravolta dos acontecimentos, atravessou o jardim a alta velocidade
- Vamos lá - gritou ele.
Sentei-me ao lado do Pires, assim era o nome legível no cartãozinho da Antral colocado no tablier e ainda com a porta aberta ele deitou a máquina a rugir pela vereda do parque até às fileiras de tráfego matinal. O rádio rangia a espaços "táxi à Boavista" táxi à Fernão de Magalhães", enquanto o Pires cortava o silêncio com os seus comentários próprios de pendura de rally
- Filho da puta desvia-te! Já estás a roer os dentes, corno do caralho? Não é nada contigo, óh paneleiro de merda" - e outras frases que tal. Depois atirou
- Óh doutor, você devia ter uma mulher do caralho, para ter alinhado com uma sogra daquelas – enquanto olhava para mim com ar de gozo. Sorri perante o tratamento dado à velha, mas só me saiu
- A filha ainda era pior que a mãe, só que sem os cortinados.
Rimos os dois. Depois seguramos firmemente o que pudemos agarrar porque quase nos enfaixávamos na traseira de um autocarro que saiu repentinamente da paragem. Nova colecção de impropérios. Arrancou ainda e parou 150 metros mais abaixo em frente ao Banco de Portugal.
- Cá estamos, chefe! Trabalha no banco, é?
- Não. O meu destino é ali para trás. Tome lá ... fique com a diferença, pela simpatia e pelo bom trabalho – estendi-lhe uma nota de cinquenta, ao que ele retorquiu, sorrindo
- Ninguém vai acreditar que fiz esta corrida em doze minutos e quarenta e sete segundos. Tome o meu cartão ... Para quando precisar deste tipo de serviços e outros que tal. Acenou-me e zarpou com uma chiadeira de pneus. O cartão era um rectângulo de papel onde foi escrito à mão "Pires", seguido de um número de telefone de cabine. «Mau», pensei.
Corri para a porta do meu destino e trepei as escadas três a três. Rompi pela porta do escritório e sorri para a secretária
- Olá – disse-me ela com aquele sorriso radioso de trás de um gloss discreto que me partia todo – estão à sua espera. «Mau», voltei eu a pensar.
Entrei na sala de reuniões e dirigi-me rapidamente ao topo da mesa ovalada. Lá já se encontrava o velho Borges
- Meu caro, desta vez chegou a horas – apertava-me a mão com aquela solidez de homem sossegado, como se nos envolvesse o corpo com aquele aperto de mão - Nada de violências, presumo?
- Hoje, felizmente, nada, senhor Borges – apertava-me a mão com aquela solidez de homem sossegado, como que com a mão nos envolvesse o corpo - Tudo normal.
- Muito bem – sorriu ele cúmplice. E olhando a plateia - Senhores, este é o especialista de que vos falei. É nele que deposito toda a confiança quando as coisas se tornam problemáticas na certeza que não evoluem para catástrofes.
Olhei em volta e dei conta de uma sala cheia de homens e mulheres, alguns de meia-idade, outros mais velhos, um ou outro na casa dos trinta. Todos estavam de olhos pregados em mim. «Financeiros?» pensei «Nã. Seguradoras». O velho Borges confirmava os meus pensamentos
- O segurado, caros amigos, está neste momento mais seguro.
Eu sabia que o segurado só me seria revelado no final, mas comportei-me como se tivesse sido eu a parir o segurado. Sentei-me ao lado do Borges, e comecei a anuir com ares de entendido cada afirmação que o velho disparava, ao que me apercebi, para tranquilizar aquela dezena de preocupados e assustados mediadores (era assim que eu gostava de lhes chamar).
- Senhores, nós garantimos toda a segurança e o contorno de possíveis obstáculos que se possam levantar no nosso caminho. É por isso que nos rodeamos dos melhores especialistas do género – olhando para mim paternalmente, ao que eu acenei que não e encolhia os ombros humildemente – para que tudo corra pelo melhor.
- Portanto, Senhor Borges – gralhou um homenzinho enfezado lá do fundo – garante a segurança total, é isso?
- Bem, convenhamos que é difícil das garantias de segurança a seguradoras – todos riram nervosos, e o velho Borges volveu falando mais baixo e mais solene – mas todos vocês conhecem a nossa casa à dezenas de anos. Não vamos facilitar.
Seguiu-se um silêncio pensativo. Todos estavam inseguros eu não sabia por quê. Eu estava ainda arredado do assunto, mas não estava a gostar deste pânico aparente. «Grande produto (ou caro) para que haja uma associação de seguradoras». Só estava a gostar da quarentona enxuta sentada à minha frente, bem arreada, que eu já imaginava em lingerie preta, «sim preta, porque a pele é clarinha e ela não tem perfil para o vermelho nem idade para as florzinhas», assim, a pedir-me com o olhar «mostra-me o que é viver», quando uma voz familiar castrou os meus pensamentos
- E que garantias nos dá o seu especialista? – isto era comigo. Icei-me na cadeira e voltei-me para o local de onde saiu aquela voz bem feminina e colocada, amistosa mas ao mesmo tempo demasiado segura e até trocista que eu já havia ouvido algures – é que nós raramente trabalhamos com este tipo de serviços e, muito sinceramente, o nosso cliente é muito avesso a este tipo de contratações, digamos ... inesperadas.
- Minha cara – volveu o Borges, enquanto eu fazia um esforço por tentar encontrar a mulher, mas um tipo germânico com 140 quilos ocultava a fonte da facada melodiosa – penso que o nosso homem poderá acalmar os vossos receios.
Levantei-me e então percebi a razão da troça na voz. A cavalona da noite anterior estava ali, sentada com olhos de imenso gozo, fitando-me muito divertida. Só me passava pela cabeça como era possível ela ter chegado ali primeiro que eu, se a havia deixado semi-nua em minha casa. O meu passeio no parque não fora assim tão extenso.
- Ora bem, um bom dia para todos comecei com voz segura - Para aqueles que não conhecem os nossos serviços convido-os a visitarem o nosso portfolio virtual – estendi um maço de cartões que tirei do bolso, juntamente com o mouleskine. Abri-o, calmamente, para mostrar à boazona que não acusei o toque e à quarentona que se preparasse que a seguir era ela – Em relação ao nosso assunto, garanto-vos que tudo está tratado para que o produto saia às tantas horas e chegue às tantas horas. Os locais de entrada e saída não são os ideais, mas cá nos arranjaremos. Podem fazer descansar os vossos clientes, porque vamos tratar do assunto de uma forma capaz. E só mais uma coisa - aqui estava a falar para a cavalona - nunca falhamos, não vai ser agora, por mais extravagante que seja o serviço, que vamos esmorecer ou subestimar a confiança que nos é imputada.
Sentei-me e o velho Borges sorria com deleite. Eu sabia porquê: «grande lata a deste filho da puta», devia estar ele a pensar «não faz a puta da mínima ideia do que quer que seja o trabalho, mas conseguiu acalmar todos estes cabrões».
- Bem - disse ele – acho que mais conversa é inútil. Não vos consigo dar mais garantias. Ou é ou não é.
E com isto terminou a reunião, porque todos disseram "é". Formaram-se grupos de conversação e só eu me mantive sentado a cofiar os meus pensamentos à espera da bomba, enquanto que dois dos meus cartões voltaram a deslizar pelo tampo da mesa. Um deles tinha um número de telefone e estava meio perfumado com um misto de lingerie preta e água de flores suavíssima; o outro só dizia "Tenho o teu número. Com que então nunca falhas? Pago para ver. PS: adorei a tua casa". Guardei-os juntamente com o cartão do Pires.
- A casa não é minha – disse por entre os dentes cerrados – é do meu pai.
Sairam todos e fiquei só com o Borges
- Caríssimo – sorria ele de alegria incontida – se aceitasses ser meu sócio, ninguém nos parava. Eu até pensei «este bastardo não sabe do que se trata mas já se atirou de cabeça» e é por isso que eu te admiro. Para ti não há contrariedades. E as gajas? Boas, hã? Bom trabalho!
- Sabe bem que eu até fazia isto de graça, mas infelizmente a ética não mo permite – Ele soltou um gritinho de riso, mas eu continuei - Vamos lá a saber. O que é o segurado desta vez? O tesouro do barco pirata? Um quadro raro descoberto fortuitamente? Um quilo de diamantes?
- Quase – disse ele, ao mesmo tempo que o sorriso desaparecia num cenho carregado - É uma pessoa.

quarta-feira, junho 15, 2005

Da Carne e da Salga

Depois de um ligeiro périplo por outras latitudes, voltamos à origem e à nossa salmoura. Depósito de carnes, casa de sal, nada mais saboroso do que fluir nas ramificações que o nacl (cloreto de sódio) nos transporta. O fiel amigo é mais saboroso quando seco ao sol depois da salga; requintado é o sabor das lágrimas, salgado, como é salgado o mar. Diz-se insossa da comida que não o tem, assim como das pessoas que não tem personalidade. E expressões como o sal da vida, o sal da terra?
O Sal. Tão valioso na antiguidade que os soldados eram pagos ao tempo da República Romana com quantidades dele (daí o termo salarium, salário), em que a maior parte da culinária dita de luxo entre os romanos envolvia uma pasta de peixe com sal, o garum ("ó Calpúrnia filha, ratazana frita recheada aos olhos de urso ainda vai, mas nunca garum") e o vieram procurar longe, na parte ocidental da Península Ibérica. O sal, ingrediente primaz da salmoura. No entanto, como tudo o que sabe bem é prejudicial à saúde, também o sal não é excepção: o consumo excessivo provoca problemas cardio-vasculares, entre outras maleitas. Perigo maior é a relação do sal com a carne, seja uma florzinha ou uns grãozinhos, pois apesar do apuro do sabor, é propício a enfermar o corpo.
Porquê esta repentina moralização? É que surgiu recentemente um lenitivo para esta associação tal malfazeja: já repararam nos outdoors da Calzadonia? Já viram aquelas carnes ali à vista da gente, com aquela camadinha de sal do bom, daquele que sai do mar? Meus senhores, têm de concordar comigo, bendito seja o pai que num feliz lampejo convenceu a mãe a produzir tamanho naco. Se os restaurantes tivessem publicidade destas, os talhos estavam sempre vazios!!!
Para os problemas e hipertensão arterial, uma menina da Calzadonia por dia, para exercitar ou simplesmente saborear. Certamente que não vai fazer caretas a este xarope!
Um derradeiro apontamento ... era de tomates alguém mandar um biqueiro na boca do Ronaldo (do Madrid), para assim o dito popular "dá Deus nozes a quem não tem dentes" fazer todo o sentido.

Croius

quinta-feira, junho 09, 2005

Onde Param as Séries de Nossa Juventude?

Ah, a transição entre a infância e a adolescência. Que belas recordações dos tempos em que o Dr. Croivs vivia excitado 24 sobre 24, época de ouro, em que até as calcinhas da Mónica e da Magali (sim aquelas com aquele fino debruado de renda a aparecer por debaixo do vestidinho, respectivamente vermelho e amarelo) eram postas ao serviço da descoberta da virilidade. Foi com surpresa que o Dr. Croivs reviveu aquele período da sua existência quando acompanhou o aparecimento no canal RTP Memória de uma série crucial de sua infância, Os Amigos de Gaspar. Acompanhou com deleite o notável desempenho daquelas marionetas desengonçadas, as tropelias do sempre boquiaberto Gaspar, das ursidades do Farturas, os trejeitos rotativos daquele repolho com olhos chamado Manjerico (sóio móio tóio póio gaspáio), a amizade paternalista da Lina e as ocorrências estapafúrdias do Guarda Seródio, o guarda do parque com xotaque de vijeue, entre outros.
Senhores, aquilo sim, eram tempos. O Dr. Croivs recorda agora séries de culto com baixo índice de violência como A Árvore dos Patafúrdios, verdadeiro manifesto anarquista em que toda a passarada queria mandar no pinheiro, mas ninguém detinha o poder (ainda para mais com a música do inconfundível apolítico Sérgio Godinho); a pachachada futurista japonesa pós inverno nuclear conhecida como Conan, o Rapaz do Futuro, uma espécie híbrida de Incrível Hulk e Heidi que andou 73 episódios à procura do avô que no final se revela ser o Frankenstein; ou o Era uma Vez no Espaço (depois repetido à exaustão por outras Era Uma Vez: A Vida e Era Uma Vez: O Homem) com a música do genérico mais espectacular alguma vez lavrada e cantada pelo imortal Paulo de Carvalho, música que se tornou, para o Dr. Croivs o E Depois do Adeus das séries juvenis (Lá em cima/ há planícies sem fim/ há cometas, que parecem correr/ há o Sol e a vida a nascer/ vou-vos contar uma história/ Era uma vez no Espaço/Lálálálálálá – Por favor, alguém me diga onde posso adquirir uma cópia).
E que dizer da Volta ao Mundo em 80 dias com a qualidade animal da mesma produtora espanhola que depois assinou essa glória maior chamado D’Artacão e os Três Moscãoteiros? Tudo para lembrar, com os olhos toldados por um nevoeiro fininho e nostalgias peludas no peito, que naquele tempo é que era. E o Verano Azul? Que saudades daquele genérico assobiado, enquanto a trupe de adolescentes montados nas suas biclas rebocavam o gordinho Piranha. Ah, Patti, foste (nunca havia sido dito) o primeiro amor televisivo do Dr. Croivs! Bateste aos pontos a Princesa Leia. E o Chanquete, o velho filósofo existencialista metido a Sartre que vivia naquele barco naufragado na praia? Liiiiiiiiiiiiindo. E quando apareceu aquele gajo parecido com o Sandokan, que toda a gente pensava que ele era um ladrão, mas no fim ele salva a Laura de morrer afogada? E não era ladrão, era fugitivo de uma clínica de saúde mental! Oh, como diz a Maria de Vasconcelos, é Maravilhoso!!!! É por estas e as outras que os espanhóis têm a Zara, El Corte Inglês e a ETA e nós só temos os Morangos com Açúcar e o Tino de Rãs*.
Ainda no outro dia ao passar por Castela, o Dr. Croivs folheou uma das revistas Del Corazón e lá havia uma reportagem sobre o puto (que agora já não o é), o Piranha que, qual Drew Barrimore depois do sucesso/ abandono sequente ao ET, se meteu fundo nas dependências. Isto remete as equações do Dr. Croivs para outro nível: o que será feito de Gaspar e seus amigos? Será que eles têm vivências opostas ao sonhado pela nossa infância? Conjecturemos.
O Gaspar era um tipo atinado. Talvez tenha seguido uma carreira séria, estilo advogado. Bem, algo mais sério que advogado. Talvez juiz ou médico. Ou não e agora está a arrumar carros no estacionamento do Hospital S. João. Entre as entradas e saídas no Porto Feliz (plano do Rui Rio para retirar os arrumadores/ toxicodependentes das ruas, aliás, reconhecido por todos como um sucesso transcendente), limpa uns auto-rádios na zona da Alfândega para pagar a dose p’ra ele mais o Manjerico. Este, das duas, uma: ou anda enterradinho com o amiguinho Gaspáio na branca ou atinou cedo, licenciando-se em Terapia da Fala. Neste caso deixou aqueles tiques ora à esquerda, ora à direita, para incluir acenos acima e abaixo, estilo compasso quaternário.
O Farturas, essa instituição de inteligência, essa sumidade bacôca, tirou Engenharia, é claro. Mascôto como ele era, só poderia ser Engenheiro Civil nas obras do Metro. Quanto à Lina, bem ela era boa moça, do tipo mãe solteira aos 17; provavelmente tirou o 12º à noite, com três filhos pequenos; depois licenciou-se em Educação de Infância e agora é a Educadora Adelina no Infantário da Pasteleira, ali mesmo ao pé de Serralves, onde desfruta da Arte Contemporânea e dos jardins, com os seus filhos adolescentes e bons alunos.
E o Guarda Seródio, fiscal intransigente do Jardim? Nem tudo é miséria no Porto, senhores. O Guarda Seródio reformou-se com a patente de Chefe, «eventualmente e inopinadamente ao cabo de 4 anos de cherbicho entre a juventude prevaricadora e contestatária das normas inerentes ao bom funchionamento do jardim ao qual prejidia». Agora abriga os dois gatos que vadiavam pelo jardim e vive da pensão vitalícia, alternando a existência entre a alimentação de pombos com migalhas de pão da véspera com as suecadas na companhia mal-cheirosa de outros aposentados da Função Pública. Rapou o farfalhudo bigode para parecer mais novo.
E Você, tem-los visto?
Dr. C

* Aqui é clara a inclusão de um terrorista português, porque não sabemos onde anda o Manuel Subtil, o perigoso raptor de wc’s da RTP.

As Runas de Glicosury – A Gneisse do Corvo


Tal como prometido no post Rudimentos para a Giza de uma Saga, o Dr. Croivs lança aqui um esquiço sinóptico para uma saga, para rebentar de vez com a gonorreia mental que grassa nas cabeças das alimárias conotadas com uma certa literatura light, chamada de aventuras.
Primeiro, o lugar à justificação metodológica. A saga deverá ter forçosamente um encadeamento próprio, quase em verso. De uma assentada aproximamo-nos das sagas de classe mundial (o JRR Tolkien volta e meia metia a meio da narrativa umas cantigas estilo adepto de clube inglês com os copos a cantar alegremente: fomos enormes/ fomos grandes/ e só é pena/ não ter aqui umas sandes, apesar da equipa estar a ser empalada por 6-0) e promovemos a cultura interna, que é tão ou mais que as estrangeiras, qual obra do Vicente ou do Camões; a língagem deverá ser do tempo das Cantigas de Amigo (Ai Flores, Ai Flores do Verde Pino, Se tendes Novas de meu Amigo, Ai Deus e o é, que anda por aí o meu marido).
O Dr. Croivs investigou e seleccionou algumas das nossas cantigas de gesta e romanceiro, tomando a liberdade de escolher um dos seus preferidos, chamado D. Beltrão de Roncesvales, para servir de exemplo, dada a elegância e a riqueza semântica patente na romance (retirado de J. Leite de Vasconcelos, Romanceiro Português, vol. I, Coimbra, 1960, n.º 17):

Três voltas dei ao castelo – sem achar por d’onde antrar
Cavaleiro d’armas brancas – viste-lo por qui passar
Eu vi-o morto n’areia – com a cabeça no juncal
Três feridas tinha no corpo – todas três eram mortal
Por hua lh’entrava o sol – pela outra o luar
Pela mais pequena de todas – um gavião a voar
Com as asas mui abertas – sem las ensanguentar
Três voltas dei ao castelo – sem achar por d’onde antrar

Catita, hã? Pois bem, a nossa saga tem de ter os ingredientes apontados por nós naquela explicação, a saber paisagem lacustres, montanhosas, turfeiras e tundra de neves eternas; depois o cavaleiro versátil, o monge, mago ou feiticeira, os mercenários e o trapalhão, a demanda, qualquer coisada mágica e as pedras. Vamos lá lavrar uma sinopse para encher as contracapas da publicação:

Do alto daquela montanha – hum cavaleiro escuta ao longe
As terras que de lá se miram – despois de hablar cum monge
E lh’o monge dizia rezando – c’as pedras do Corvo cantavam
Dizeres antigos de curvas – e los rabiscos significavam
Hua ‘stória de males de mundo – antes dos tempos começarem
Dos dias d’ hoje chegarem - Os ventos de sul soprarem
Cum neño foi leixado – em terras do longe abandonado
Seu pai senhor arreliado – por seu cú ter lo sinal tatuado

Eh cavaleiro que a pedra fala – Lh’o monge dirá mais à frente
Num neño no frio arredado – Depois c’os Lhobos dormirá quente
E pr’ hua lhoba será creado – depois ó convento noviciado
E lhas lenguas e letras aprenderá – porém sem ser ordenado
Lho Cavaleiro do mosteiro – na viaje conhecerá pr’a peleija
Muy valentes mercenários – hu moro, hu pirata, hua crangueja
Mai’lo porqueiro do Castelo – qu’é ladrão de fama antiga
Trapalhão ensarilhado – c’o a cara de lumbriga

Lhos parceiros em demandas – pois lhó Reyno aventarão
Que seu padre há muito perdeu – pró feiticeiro e tirano irmão
C’a justicia voltará à terra – d’onde partiu ainda neño
À sepultura do pai arrojará – pois foi morto por lo veneno
Hua ‘spada vam achar – pr’a banda do lago merino
Mais ela irá a matar – lho tio tirano assassino
Chegará o fim da ‘stória - C’o século mesmo à beira
E todos dirão enfim - Samicas de Caganeira

Terrorismo Cultural em Tampos de Mesa

Eu tinha um projecto antigo. Durante muito tempo pensei em efectuar um levantamento dos diferentes "dizeres", que é como quem diz "slogans de wc", para tentar averiguar profissionalmente da verborreia do nosso povo e da riqueza de nossa literatura de intervenção, essa lide tão profunda e cara ás nossas gentes, desde que o Camões encetou a escrita de sonetos nas portas das retretes de Ceuta (Vai Leanor fermosa pela verdura/ para me trincar a fruta madura). Até pensei em chamar-lhe epigrafia de porta de retrete, mas isso é mais do ramo da História, e não me interessa. Veremos como no final o mundo dá voltas e mais voltas.
Ontem deparei-me com um facto que me levou a ponderar e a meditar naquele fenómeno: estava a vasculhar uns incunábulos na Biblioteca Pública, quando, naquelas esperas pornográficas debaixo do olhar omnipresente de D. Pedro, o Brazuca, reparei que alguém havia escrito no tampo uma parte de um jogo infantil (vou escrever ipsis verbis, para não se perder a riqueza dos termos na minha versão):
Um aviaozinho militar
Atirou uma bomba ao ar
A que terra foi parar?

Sorri, perante esta brusca memória da juventude; só depois reparei que aquele tampo era extremamente rico de múltiplas expressões e dizeres, num claro horror ao vazio, facto que demonstra:
1º - as pessoas têm uma grande riqueza literária e querem demonstrá-la em todo o lado;
2º - no fundo as pessoas adoram expressar-se, nem que seja sob a forma de falos ou vernáculas piças;
3º - na Biblioteca Pública espera-se de caralho.
Ora bem, ele há dizeres para todos os gostos. Há os de tipo amoroso/ sentimental, de onde seleccionamos esta pérola
Puz-me a contar as estrelas
contei duzentas e doze
Com as duas dos teus olhos
São duzentas e catorze
há as de carácter político/ religioso
Hooligans Rebeira
Só os + fortes sobrevivem
Nós somos eternos
Ou
The crownless again shall be king
(é bom saber que Shakespeare voltou às bibliotecas portuguesas),
ou até um rebuscado e algo desusado
One ring to rule them all
One ring to find them
One ring to bring them all
And in darkness bind them
In the and of Mordor
Where the shadows lie.

Senhores, toda a gente estará familiarizada ou até já praticou este tipo de intervenção sobre esse nobre suporte da literatura pública, o tampo de mesa. Eu também já o fiz na adolescência, confesso-o, mas nunca, repito, nunca, cometi o erro estúpido verificado no lugar 14 da saga G da Biblioteca Pública. É que alguns dos terroristas culturais assinam as suas peças. Escolhi três exemplos de arakiri artístico: Sílvia Madureira 17-06-96, um clássico, portanto; depois uma preciosidade, já que é um autógrafo duplo, pois as companheiras ocupavam lugares vizinhos, podendo-se ler entre duas setas a apontar para o 13 e o 14, Ana e Verónica Estivemos aqui 19-05-2005, um grafitti ainda a cheirar a tinta nova.
Ora, não é preciso ser nenhum génio para perceber que se os funcionários da biblioteca fossem maníacos obsessivos tipo inspector Closeau, ferravam os prevaricadores em dois tempos. Bastava comparar-se a data do grafitti com o livro de ponto da biblioteca e não era difícil perscrutar uma Ana e uma Verónica que no dia 19 se sentaram nos lugares 13 e 14; tirava-se o número do BI que as meninas obrigatoriamente forneceram e pimba, olá terroristas, venham lixar e dar três mãos de verniz nas 62 mesas da sala G.
Era um castigo justo para quem é tão burro. E as outras mesas da biblioteca que faltam, p’rá-i trezentas e vinte e seis delas (326)? Essas seriam limpas pelo urso que cometeu a seguinte proeza: um artista, se calhar empolado pela fantástica agressão perpetrada por um terrorista cultural famoso contra o British Museum, resolveu autografar a sua presença no lugar 13 da sala G com o seu email, ano de escolaridade, curso, faculdade, mês e ano (por razões evidentes, vou ocultar o nome do Rambo para não expor em demasia este verdadeiro herói do terrorismo cultural - *********@aeiou.pt, 4º ano FLUP História Marco 2005). Não dá vontade de o mandar p’ra cadeia?
dr C
*não é link, mas se quiserem mesmo saber, criptografei o nome do artista depois de baixar à 6ª linha: 3.1.15.9.7.25.26.24.21. Se descobreirem, mandem-lhe um email ....

quarta-feira, junho 08, 2005

A Boca do Barulho

"As relações sentimentais deviam ter uma caixa negra, como os aviões"
Dr. Croivs
... Desta maneira as pessoas poderiam voltar atrás e confirmar o havia sido dito.
... Em caso de acidente, salvavam-se as conversas da tripulação.

segunda-feira, junho 06, 2005

Diccionário do Dr Croius #2

#2 – Frito (subs. neutr.): termo genérico aplicado a alimento cozinhado por imersão em azeite ou óleo a altas temperaturas. Surgiu na Alemanha quando uma senhora perguntou ao filho, “queres batatas, Fritz?”. Associa-se vulgarmente a quem está em maus lençóis, por exemplo Santana Lopes está frito.

domingo, junho 05, 2005

Rudimentos para a Giza de uma Saga

Reparamos no outro dia que a Editorial Presença se atreveu a publicar aquilo que o Dr. Croivs percebeu ser a parte de uma triologia ou tetralogia chamada (salvo erro) O Segredo das Pedras Mágicas, escrito por uma Sandra Carvalho. Folheamos, com doseada aprrensão, um dos tomos da série, intitulado Guerreiro Lobo. É à Sandra Carvalho que o Dr. Croivs dirije a sua primeira carta aberta, em forma do ensaio Rudimentos para a Giza de uma Saga.

Minha querida,
Constatamos estarrecidos que o excelente selo editorial da Ed. Presença se associou a V. Ex.cia para cometer a loucura de lançar mais uma patranhada vaginal sobre florestas, brumas, heróis vagos e uns mistérios insossos com runas, a que se chama vulgarmente de aventura. O formato não é novo, mas tende-se a subverter, empobrecendo–se o género, exemplo do Eragorn, As Brumas de Avalon e outros folhetins que ficam a anos luz de um Lord O’ Rings ou A Távola Redonda.
Perante o teor superficial e tão distante dos cânones associados ao género em questão patentes na obra, o Dr. Croivs toma aqui a liberdade de lhe permitir o acesso às fórmulas para alcançar o sucesso que os editores de V. Ex.cia tão sabiamente lhe souberam omitir.
Quanto ao género em questão, é usual distinguir-se o estilo saga do estilo canção ou lôa. As mais conhecidos de entre este último elenco são a Chanson de Roland e El Cid (em americano The Sid); por seu turno, as sagas, que é o que V. Ex.cia parece querer apresentar, têm características próprias bem vincadas que deverão ser respeitadas.
Em primeiro lugar, a história. Uma saga terá forçosamente de contemplar uma viagem, a demanda. Depois ter-se-á de objectivar essa demanda, através da conquista, da exploração ou da apropriação de um bem mítico ou sagrado. Parece-me que estas partes estão evidentemente relatadas na sua obra que o Dr. Croivs apenas folheou, não leu. A estruturação dos ambientes e a descrição das paisagens deverá incluir doses generosas de cenários florestais, turfeiras, áreas lacustres, tundra e montanhas cobertas de neve.
Depois temos o problema das personagens. O primeiro é a sua nomeação. O nome de uma personagem de saga deverá ser obrigatoriamente composto pelas últimas sete letras do alfabeto, isto é, t, u, v, w, x, y, z, na proporção de 75%, incluindo eventualmente algum K. Toda a gente sabe que as sagas vêm do norte, e se estiverem escritas numa linguagem parecido com o basco, mais realismo expressarão. Depois é só desdobrar anagramas com aquela constituinte. Dou-lhe alguns exemplos para ilustrar esta técnica de nomear personagens: tuvyz, tyvwin, zywyn, zyl, wytux, etc. Uma inteligência iluminada como a de V. Ex.cia poderá facilmente agrupar os nomes, de modo a constituir os rudimentos de um esquema clânico, que é a base da sociedade nórdica antiga. O seu herói principal poderia ser Zyl, filho de Zyl, o Bravo, neto de Zylwin, o Antigo. E por aí fora.
A composição do perfil das personagens também deve ser cuidado. Assim, ter-se-á em conta que o herói é sempre um indivíduo filho ou neto de rei, com uma tatuagem ou alguma marca de nascença (fala e lê uma dúzia de idiomas, maneja com destreza várias armas e é bem parecido, veste peles e é loiro), que foi raptado, ou abandonado, ou apenas perdido quando recém nado, cuja missão consiste na recuperação do trono de seu pai agora usurpado por algum tirano e devolver a justiça ao lugar. Para tal associar-se-á a um mago ou uma feiticeira que o educou, bem como a alguns mercenários de várias proveniências. Peça importante é a inclusão de algum desajeitado trapalhão que tem um papel importantíssimo no desfecho da saga, por transportar consigo uma chave especial, ou ser parente de algum dos verdugos da última cena.
Muito importante é a apresentação do tomo. Convenhamos que o nome Sandra Carvalho não é sonante. Qualquer escritor de sagas nunca poderá ter um nome português, ainda que em mirandês já seja aceitável. Cole a si própria um rótulo inteligente: transforme o seu nome, latinize-o. Carvalho tem o nome científico de quercus robur, ou mesmo niger. Aplicando-lhe a regra do anagrama das 7 últimas letras do alfabeto, poder-se-á obter um provisório Sandra Kwercus Rowur, com supressão do desdobramento do nome central para a inicial K; Sandra K. Rowur é de longe bem mais sofisticado, artístico e propenso a fazer um figuraço nos escaparates (até parece o nome daquelas matronas inglesas com óculos de armação de asa de morcego, azedas como limões e com ar de mal montadas, estilo Ágatha Christie).
A ilustração da capa é fundamental, por isso é necessário abandonar a mariquice pegada que tem na capa de sua obra. Aquilo é algum guerreiro? Parece o gajo do anúncio do William Lawson’s mas mais apaneleirado. Deverá primeiro, contactar o ilustrador das discos dos Manowar. Esses sim, é que são guerreiros viris e consentâneo com a cultura androcêntrica patente nas sagas.
Por último, o título. O que é que lhe passou pela cabeça para escrever uma coisa tão pirosa como Guerreiro Lobo? Porque não Águia ou até Leão? Era mais futebolístico e certamente vendia mais uns exemplares. Percebo que nas sagas a fórmula dragão estará algo esgotada e até perseguida, mas lobo? Sinceramente, isto é canzanas a mais. Se quer associar animais ao título, atire a ave mítica mais procurada, logo a seguir à fénix, o corvo, aliás de onde tomamos o nosso nome. Percebe-se que estará presa a essa fórmula típica dos gineceus, as pedras mágicas. Mas quer dar-lhe um nome de saga? Chame-lhe as runas, as Runas de Avalon (AH AH AH AH AH, perdão LOL). Mas vamos fazer isto de forma científica: escolha um número de um a nove. O seis? OK, pode ser. Agora diga-me, tem uma enciclopédia em casa,? Sim? Então abra o volume 6 da enciclopédia ao calhas e escolha alguns termos. O Dr. Croivs escolheu glicosúria (significa a presença de glicose na urina. Característica dos diabéticos ou dos indivíduos com perturbações renais) e, sorte das sortes, um sinónimo de pedra, gneisse (rocha sedimentar cuja composição é em geral granítica. A sua estrutura é laminar ou estratificada, nela participando ainda o felsdpato, o quartzo e a mica em palhetas). Como ninguém sabe os significados poderá ter assim alinhado o seguinte genérico para a sua futura obra: As Runas de Glicosury – A Gneisse do Corvo.
E pronto, o Dr. Croivs oferece-lhe os ingredientes para uma saga bem gizada, qualitativamente bem distante do tratado para adolescentes impúberes que tem andado a poluir as estantes das livrarias.

Croivs

P.S. I: Não esquecer que para escrever uma saga não basta imaginar um reino distante e ter lido as técnicas de guerra do Sun Tzu adaptadas à gestão de empresas.
P.S. II: O Dr. Croivs qualquer dia apresentará um esboço sinóptico de uma saga para lhe servir de referência.