quinta-feira, junho 09, 2005

Terrorismo Cultural em Tampos de Mesa

Eu tinha um projecto antigo. Durante muito tempo pensei em efectuar um levantamento dos diferentes "dizeres", que é como quem diz "slogans de wc", para tentar averiguar profissionalmente da verborreia do nosso povo e da riqueza de nossa literatura de intervenção, essa lide tão profunda e cara ás nossas gentes, desde que o Camões encetou a escrita de sonetos nas portas das retretes de Ceuta (Vai Leanor fermosa pela verdura/ para me trincar a fruta madura). Até pensei em chamar-lhe epigrafia de porta de retrete, mas isso é mais do ramo da História, e não me interessa. Veremos como no final o mundo dá voltas e mais voltas.
Ontem deparei-me com um facto que me levou a ponderar e a meditar naquele fenómeno: estava a vasculhar uns incunábulos na Biblioteca Pública, quando, naquelas esperas pornográficas debaixo do olhar omnipresente de D. Pedro, o Brazuca, reparei que alguém havia escrito no tampo uma parte de um jogo infantil (vou escrever ipsis verbis, para não se perder a riqueza dos termos na minha versão):
Um aviaozinho militar
Atirou uma bomba ao ar
A que terra foi parar?

Sorri, perante esta brusca memória da juventude; só depois reparei que aquele tampo era extremamente rico de múltiplas expressões e dizeres, num claro horror ao vazio, facto que demonstra:
1º - as pessoas têm uma grande riqueza literária e querem demonstrá-la em todo o lado;
2º - no fundo as pessoas adoram expressar-se, nem que seja sob a forma de falos ou vernáculas piças;
3º - na Biblioteca Pública espera-se de caralho.
Ora bem, ele há dizeres para todos os gostos. Há os de tipo amoroso/ sentimental, de onde seleccionamos esta pérola
Puz-me a contar as estrelas
contei duzentas e doze
Com as duas dos teus olhos
São duzentas e catorze
há as de carácter político/ religioso
Hooligans Rebeira
Só os + fortes sobrevivem
Nós somos eternos
Ou
The crownless again shall be king
(é bom saber que Shakespeare voltou às bibliotecas portuguesas),
ou até um rebuscado e algo desusado
One ring to rule them all
One ring to find them
One ring to bring them all
And in darkness bind them
In the and of Mordor
Where the shadows lie.

Senhores, toda a gente estará familiarizada ou até já praticou este tipo de intervenção sobre esse nobre suporte da literatura pública, o tampo de mesa. Eu também já o fiz na adolescência, confesso-o, mas nunca, repito, nunca, cometi o erro estúpido verificado no lugar 14 da saga G da Biblioteca Pública. É que alguns dos terroristas culturais assinam as suas peças. Escolhi três exemplos de arakiri artístico: Sílvia Madureira 17-06-96, um clássico, portanto; depois uma preciosidade, já que é um autógrafo duplo, pois as companheiras ocupavam lugares vizinhos, podendo-se ler entre duas setas a apontar para o 13 e o 14, Ana e Verónica Estivemos aqui 19-05-2005, um grafitti ainda a cheirar a tinta nova.
Ora, não é preciso ser nenhum génio para perceber que se os funcionários da biblioteca fossem maníacos obsessivos tipo inspector Closeau, ferravam os prevaricadores em dois tempos. Bastava comparar-se a data do grafitti com o livro de ponto da biblioteca e não era difícil perscrutar uma Ana e uma Verónica que no dia 19 se sentaram nos lugares 13 e 14; tirava-se o número do BI que as meninas obrigatoriamente forneceram e pimba, olá terroristas, venham lixar e dar três mãos de verniz nas 62 mesas da sala G.
Era um castigo justo para quem é tão burro. E as outras mesas da biblioteca que faltam, p’rá-i trezentas e vinte e seis delas (326)? Essas seriam limpas pelo urso que cometeu a seguinte proeza: um artista, se calhar empolado pela fantástica agressão perpetrada por um terrorista cultural famoso contra o British Museum, resolveu autografar a sua presença no lugar 13 da sala G com o seu email, ano de escolaridade, curso, faculdade, mês e ano (por razões evidentes, vou ocultar o nome do Rambo para não expor em demasia este verdadeiro herói do terrorismo cultural - *********@aeiou.pt, 4º ano FLUP História Marco 2005). Não dá vontade de o mandar p’ra cadeia?
dr C
*não é link, mas se quiserem mesmo saber, criptografei o nome do artista depois de baixar à 6ª linha: 3.1.15.9.7.25.26.24.21. Se descobreirem, mandem-lhe um email ....

3 comentários:

Miguel de Terceleiros disse...

Xassus que portento! Vou tratar de fuzilar esse prevaricador! Não se brinca assim com o nome de tão insigne instituição. Bora beber um copo hoje na Ribeira?

kiko disse...

Caro Dr. Croius: Desculpe este senhor Terceleiros... Anda enganado com a vida.... acha que um insigne Dôtor se prestaria ao papel de beber um copo na ribeira com um simples coveiro qualificado! Quanto ao post... Onde fica a BPMP? Qual a importância de uma biblioteca para o conhecimento científico e cultural de um povo?! Cumprimentos saudosos

hmscroius disse...

Terceleiros: não bebo copos; bebo o copo
quioske: comunico com coveiros na mesma medida em que comunico com rataria de biblioteca,i.é, tudo é indivíduo. BPMP Biblioteca Pública Municipal do Porto. O propósito da biblioteca tem uma função duplice maliciosa: muitas vezes só põe à disposição aquilo que quer pôr á disposição. Mas agora entrava-se no domínio da conspiração que não é propício ao comentário síntese.