quarta-feira, março 07, 2007

Da Hipocondria II

No seguimento do estudo de hipocondria apresentado no outro dia, eis uma outra variante.

# 3. Hipocondria itinerante: forma epidémica de hipocondria que se encontra um pouco por todo o lado, mas com mais expressão nos transportes públicos, táxis, autocarros e comboios. A descrição da sintomatologia incluem generosas alusões a todo o panteão católico, alternado com o rol de maleitas e de cirurgias por ela experimentadas.
A título de exemplo, relatarei
(como se fosse António Lobo Antunes) um diálogo verídico a que assisti entre dois passageiros do comboio.


Arrasta-se a composição pela linha, deixando a gare suja de fumo e cheiros a diesel e, percorridos alguns metros, já uma senhora se vai lamentando,
- Oh, isto aqui é a ponte?
metálica sobre um rio ancho, parado e azuláceo, olhando um homem dos seus quarenta que acusa a inquirição
- É
e logo a senhora desmancha num choradinho
(olho de relance o pato aprisionado naquela teia de lágrimas secas)
- Mas como é que eu falhei a estação, Meu Deus? É que eu tinha uma consulta no médico, ainda por cima tão ruim de marcar...
- E a senhora vem de longe?
- Venho desde S. Bento
(uma terra perdida nos montes, encruzilhada de caminhos, apeadeiro de diabos, daí o nome)
- de autocarro até Vila Nova, ali queria apanhar o expresso para a cidade, mas disseram-me que o comboio era mais rápido; como queria passar pelos correios e depois ia tirar sangue, quis aproveitar o chegar mais cedo, ainda por cima ando tão mal desta perna...
- A senhora não está bem?
a indignação crescendo na senhora
- Não estou bem? O senhor nem queira saber, já fui operada ao coração no estrangeiro, mas deram-me uma transfusão de sangue que não era da minha qualidade e fiquei paralisada do lado esquerdo
(a qualidade dos sangues e da saúde do país afinal está ao nível da média europeia, que a velha não tem cara de ser apologista do sistema de saúde cubano)
- e depois até me tiraram a vesícula e ganhei uma úlcera no estômago, enfim, fora as drogas que tenho de tomar para isto tudo...
(o rapaz vai sorrindo, como se os sorrisos ou a pena curassem a velha)
- e este meu joelho que não deve estar nada bem...
o comboio pára, vou saindo e pensando
(fora as drogas, ainda bem que não me puseram a médico)

1 comentário:

Anónimo disse...

Olha, filho, antes puta fina! :D